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sábado, 13 de agosto de 2011

Pai, será que hoje você vai me escutar?

Prof. dr Reginaldo de Souza Silva*
Nossa conversa começou no ano 1960, mas eu não consegui falar muita coisa...

Hoje retomo minhas idéias e minhas lembranças para contar-lhe muitas coisas que permanecem no meu coração. Peço que me perdoe se eu não conseguir com estas palavras expressar tudo que vivi e senti.

Sei que muitos que vivem no “norte”, como dizem os paulistas ao se referirem aqueles oriundos da região nordeste do país, sofrem dia após dia pela falta da água, da terra, do alimento e, hoje, pela falta de segurança e garantia de educação de qualidade para todos.

Sei que o senhor, lá de Pernambuco, encontrando minha mãe lá na Paraíba, devem ter tentado juntos, por algum tempo, conquistar a felicidade. Sei que não foi fácil para mamãe sair de sua terra querida, dos laços da família, da roça sem qualquer luxo, mas cheia de amor.

Lembro da minha infância na cidade grande, maravilhosa, onde muitos acreditavam que, ali, os sonhos seriam realizados. Foi lá que nossa família tentou sobreviver: Você com a sua oficina e mamãe como empregada doméstica. Para ela, mulher e analfabeta, era isto que sobrava para quem chegava em São Paulo tentando sobreviver. E trabalhou dia e noite, semanas após semanas, feriados após feriados e festas – lá estava ela pensando o que fazer para o patrão. Lá também era onde conseguia tirar o dinheiro para ajudar em nossa sobrevivência.

Gostaria Pai de lembrar-lhe que nunca o esqueci, o tempo não deixou a marca de sua fisionomia, mas meu coração nunca o abandonou. Como toda criança, a presença do pai, na oração e no beijo na hora de dormir, os exemplos, o primeiro dia de aula, o jogo de bola, as caídas da bicicleta emprestada, as broncas vindas da escola, as privações, humilhações, as dificuldades por não entender a lição e as brigas. Sei que você andou muito ocupado e não deve ter tido muito tempo.

Mas eu esperava: esperava sua atenção, esperava sua proteção, esperava o seu retorno...

Hoje, Dia dos Pais, a lembrança mais viva que tenho do Senhor é daquele dia que fiquei 8 horas na frente de sua oficina para vê-lo. Lembro do dinheiro que deu para mim e para o meu irmão e do presente que comprei para mamãe, não era muito. Sabe, um Pai é essencial na vida de seus filhos. Quando perguntávamos, mamãe se esquivava de falar sobre o senhor. Os longos anos com meu irmão no colégio interno arrumado pela patroa da mamãe, a minha irmã, que o senhor nem chegou a conhecer, longe de nós. Naquele tempo existia o Código de Menores e as crianças pobres eram chamadas de abandonadas e podiam ser internadas nas instituições – diziam que era para protegê-los. Nossa família foi toda separada, longe uns dos outros por mais de dez anos, porque o senhor foi o primeiro a partir. A sua ausência se agigantou em todos nós e nos dividiu. Eu e meu irmão vivíamos em um colégio com mais cem crianças, quase todos nunca viram o Pai.

Aos 12 anos de idade mamãe foi ao Juizado de Menores pedir autorização para eu poder trabalhar, e como trabalhei! Sabe, nem sempre as pessoas são boas, respeitam e cuidam com carinho dos chamados “menores” quando esses estão trabalhando. Há muita violência, Pai. Hoje tem o ECA/90, um instrumento para a defesa da criança e do adolescente, mas naquela época era muito duro, era muito trabalho para gente tão pequena. Hoje como pai eu luto para que nenhuma criança precise trabalhar neste rico país.

Pai, será que hoje a vida seria diferente?

Procurei sempre saber o que significa a palavra Pai. Alguém, não me lembro quem, me disse um dia que eu tinha o maior Pai de todos que é Deus. E eu passei a acreditar nisso. Hoje milhares de adolescentes privados de liberdade por todo o Brasil não vão poder abraçar o seu pai, contam com os socioeducadores e Deus.

Como toda criança eu gostaria, também, de ter tido um grande pai a quem pudesse dizer, olhos nos olhos, abraçando-o e beijando-o: _Pai, você é uma pessoa amigável que me ajuda a vencer os medos e tristezas. Você tem cuidado de mim porque quer que eu fique bem. Pai, Eu Te Amo Tanto...

Esse pai não foi o senhor e sim a mamãe, mulher pequena, de compleição frágil, mas de espírito de aço, como todas as mulheres nordestinas.

Pai, eu só pude vê-lo um dia, rapidamente, após 8 horas de espera na porta de sua oficina. O senhor nunca mais nos procurou, nunca quis saber como estávamos e mamãe partiu para descansar com o Senhor nosso Deus, o eterno Pai.

Assim, neste dia, gostaria com estas palavras desejar a todos os PAIS um feliz dia e que possam continuar a fazer a diferença na vida de seus filhos, protegendo, ajudando-os a construir os seus sonhos, a se levantarem dos tropeços da vida.

Quando pequenos, nosso Pai é o nosso Herói, é a nossa proteção, o anjo provedor e construtor do nosso amor, de nossa alimentação, de nossas virtudes, fazendo-as crescer e florescer.

E a você que hoje tem a oportunidade de parabenizar o seu PAI, abrace-o, beije-o, respeite-o, cuide dele, pois você, com certeza, nunca saberá o que é não ter um PAI.  A TODO(A)S FELIZ DIA DOS PAIS.

*Docente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, coordenador do Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente – NECA/UESB. Email: necauesb@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Caro Reginaldo,

    Muito belo seu texto. Parabéns pelos dias dos Pais.

    Forte Abraço,

    Renato

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