Com muito pesar, marxismo21
lamenta o desaparecimento, em menos de três dias, de dois acadêmicos que – na
melhor tradição do marxismo clássico – aliaram, de forma consequente, a teoria
de Marx e o engajamento político radical.
Nas palavras de Ruy Braga e Osvaldo Coggiola, cujos textos seguem
abaixo, EDMUNDO FERNANDES DIAS e LEONEL ITAUSSU DE ALMEIDA MELLO, generosas e
solidárias figuras humanas, foram exemplares marxistas revolucionários.
Editores de Marxismo21
EDMUNDO FERNANDES DIAS |
Acabo de receber a notícia da morte
de Edmundo Fernandes Dias. Estou arrasado. Perdi um grande amigo, um mestre
insuperável e um exemplo político. Edmundo foi amigo de uma generosidade
realmente inigualável. Estilo agregador, sempre buscou extrair o melhor de cada
um, apoiando nossos diferentes projetos como alguém que está sempre torcendo a
favor.
Como mestre, ele foi daqueles
que deixam marcas profundas em nossa trajetória. Sarcástico, incisivo e
brincalhão, suas aulas eram sempre desafiadoras e Edmundo sabia transformar
certezas em dúvidas como ninguém. Esta é a principal lição que retive das
muitas que colhi como seu aluno e discípulo. Questionar, questionar e
questionar. E quando estiver exausto: questione mais um pouco, só por garantia…
Mas, gostaria de rememorar seu
exemplo. Como sabemos, ele foi um dos maiores estudiosos brasileiros do
pensamento do dirigente revolucionário e líder histórico do comunismo italiano,
Antonio Gramsci. Sua interpretação dos escritos pré-carcerários do sardo,
reeditada no volume Gramsci em Turim: a construção do conceito de hegemonia
(Xamã, 2000), alimentou toda uma vertente interpretativa que, entre fins dos
anos 1970 e início dos anos 1990, recusou-se a ver na obra do genial sardo uma
interpretação filo-idealista da cultura europeia. À época, como hoje em dia,
desejávamos trazer Gramsci pra pensarmos a política brasileira, as lutas de
classes na semiperiferia e a estratégia socialista mais adequada para o país. Ler mais
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LEONEL ITAUSSU DE ALMEIDA MELLO |
Nasceu em Olímpia, interior de
São Paulo. Tinha antepassados libaneses. Jovem, deslocou-se à capital para
estudar, e se incorporou à militância na ALN (Aliança Nacional Libertadora).
Foi preso pelo regime militar, torturado no DOI-CODI, conheceu a chamada
“cadeira do dragão”. A tortura na boca com eletricidade lhe fez perder todas as
obturações molares. Manteve sequelas físicas da tortura durante toda sua vida,
como aconteceu com tantos, que nada dizem a respeito. Nunca pediu indenização.
Esteve na prisão durante um ano, aproximadamente. Novamente livre, foi
professor do cursinho da Equipe, a partir de 1974, e concluiu estudos de
advocacia na USP (São Francisco), profissão que nunca exerceu, e também de
Ciências Sociais, na mesma USP. Fez Mestrado em Sociologia Política, e
doutorado em Ciência Política. Era também Pós-Doutor pela Universidade da
Califórnia (Berkeley). Docente do Departamento de Ciência Política (FFLCH) da
USP, eu o conheci nos debates sobre a unidade da FFLCH dos anos 1990, em que se
destacou defendendo a unidade da faculdade, com a força intelectual e a
fogosidade oratória que lhe eram características. Já era Professor Titular do
Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, cargo obtido em
concurso de concorrência acirrada.
Com Luiz César Amad Costa, seu
colega de trabalho, de estudo, e grande amigo, escreveu textos didáticos de
história moderna e contemporânea, de grande difusão. E, dentre outros livros,
publicou: Argentina e Brasil: A Balança de Poder No Cone Sul (São Paulo: Hucitec,
2012, última edição); Quem tem medo de Geopolítica? (São Paulo: Hucitec, 2012,
última edição); A Geopolítica do Brasil e a Bacia do Prata (São Paulo: Hucitec,
2012, última edição). Não fez “carreira política”, não almejou cargos
governamentais e parlamentares, carreira para o qual lhe sobravam fibra e
condições intelectuais e não lhe faltavam oportunidades de todo tipo; preferiu
dedicar-se à pesquisa e à docência na universidade pública, e à luta junto aos
trabalhadores e os movimentos sociais desde essa posição. Era orador
excepcional, dispensava microfones quando enfrentava auditórios, graças ao
volume da sua voz e à sua forte personalidade. Prendia a atenção do público pela
erudição e pela lógica contundente de suas argumentações, e enfrentava com
elegância todos os debates políticos, nos quais ouvia com atenção e educação os
argumentos contrários ou divergentes. Foi, por isso, presença indispensável nos
congressos e simpósios que organizamos no Departamento de História da USP (suas
intervenções estão, felizmente, gravadas). Estava previsto que falasse na
abertura do próximo simpósio, Um Mundo em Convulsão, a ser realizado a 8 e 9 de
outubro p.f.
Sua generosidade pessoal era
ímpar. Ler mais
Fonte: Marxismo21
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