Todos esses problemas, que
comprometem o aprendizado dos estudantes e dos médicos residentes (e de outros
profissionais também), que promovem a desmotivação dos servidores públicos
(docentes e não docentes), além de comprometer a eficiência e a qualidade no atendimento
aos usuários do sistema, têm uma só causa fundamental: a omissão criminosa do
Poder Público Federal (mas também dos Poderes Públicos Estadual, Distrital e
Municipal), que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, vem se negando a
autorizar e realizar concursos públicos regulares para essas instituições, de
modo a preencher o total das vagas ociosas existentes, além de se negar a abrir
novas vagas – já que o País cresce demograficamente e a demanda aumenta na
mesma proporção -; vem promovendo a desvalorização dos seus servidores públicos
(além de oferecer cursos internos de capacitação, que, efetivamente, não
capacitam ninguém ou capacitam, de fato, pouquíssima gente); vem fechando as
portas e criando cada vez mais dificuldades de acesso para os usuários, com o
discurso mentiroso de que, na verdade, está organizando o sistema; além da
contenção de investimento público no setor, tornando essas Instituições
verdadeiros prédios públicos sucateados. Tudo isto, e muito mais, criando para
qualquer gestor desses hospitais uma situação impossível de bem administrar o
caos instalado.
Então, dizem os Governos e a
Imprensa: os culpados de todo este descalabro são os servidores públicos –
aqueles que estão ali trabalhando em péssimas condições de trabalho, muitas
vezes sozinhos no serviço, improvisando em todo momento protocolos de
tratamentos – já que faltam medicamentos (porque em muitos desses hospitais os
antibióticos também são plantonistas – não estão na Farmácia todos os dias),
substituindo materiais (por exemplo, fios de sutura utilizados em cirurgias)
por outros não tão eficazes – porque só pode usar aquele material que está de
“plantão” no almoxarifado naquele dia -, dentre tantas outras situações
angustiantes que esses profissionais têm que lidar no dia-a-dia desses
hospitais. E isso, muitas vezes, leva à responsabilização médica em Ações
Judiciais, em razão de maus resultados obtidos e não, necessariamente, por erro
médico. Estamos, há anos, trabalhando com o que temos e não com o que deveríamos
ter.
Assim, ao longo de todo esse
tempo, o Governo Federal (leia-se: todos os entes federativos) vem promovendo,
de forma consciente e inconsequente, a inconstitucionalidade de autorizar, de
forma mesmo compulsiva, para esses hospitais, tão-somente a contratação de
“funcionários públicos” – todos eles: médicos, enfermeiros, assistentes
sociais, nutricionistas, técnicos em radiologia, professores, técnicos de
enfermagem, agentes administrativos, dentistas etc – através de processo seletivo
simplificado e contrato temporário de trabalho, com duração de um a dois anos,
ao término do qual novas contratações são autorizadas e realizadas, pelo mesmo
regime precário de contratação, desfigurando todos esses hospitais, tornando
impossível qualquer planejamento mínimo para esses hospitais, tendo em vista
que qualquer planejamento estratégico é inviável com tamanha mobilidade de
recursos humanos não efetivos e estáveis, o que impede a continuidade de
qualquer plano de ação pensado e estabelecido. O sistema não tem como funcionar
desse jeito.
Na verdade, essa política de
contratos temporários não emprega ninguém na área da Saúde e na área da
Educação Superior, além de promover e manter a chamada “indústria dos concursos
públicos”, em que o indivíduo é levado a pagar uma taxa de inscrição (sempre
muito cara) para a empresa responsável pela aplicação das provas do concurso,
passando a concorrer a vagas inexistentes (os chamados “cadastros de reserva”)
ou a uma só vaga – quando, na verdade, a necessidade é muito maior -, tudo isso
de uma inconstitucionalidade incontestável, por ferir o Princípio da Moralidade
Pública, já que estamos falando de Saúde e Educação Públicas – serviços
públicos cuja natureza é de continuidade e essencialidade (como já se
pronunciou o Supremo Tribunal Federal – STF), e jamais de temporariedade.
Aliás, o Senador Darcy Ribeiro costumava dizer que “Saúde e Educação são
verdadeiras pré-prioridades”, direitos naturais anteriores e prioritários a
quaisquer outros direitos sociais, aos quais não cabe qualquer tipo de
contenção de verbas públicas, pois inerentes ao direito à vida e ao direito à
vida com dignidade (completamos nós).
Portanto, contratação temporária
há mais de vinte e cinco anos nesses hospitais atendem somente a interesses
privados, e em hipótese alguma ao interesse público.
Isso, somado à falta permanente
de investimentos públicos (e não gastos públicos, como alguns teimam em
afirmar) nesses Hospitais Públicos Federais Universitários, acaba por gerar uma
situação crítica de falência do sistema, criando um ambiente (e criando de
forma proposital) de caos social nesse setor – tudo muito bem arquitetado para
a idealização e construção do pior dos mundos para esses hospitais, mas acompanhado
de um discurso oficial do Governo – e sustentado vergonhosamente por alguns
órgãos da imprensa - de que a culpa de tudo isso é dos servidores públicos e do
regime de direito público a que eles estão submetidos.
Desse modo, trazem a solução
para todos esses problemas: começam a autorizar a criação de inúmeras entidades
públicas com personalidade jurídica de direito privado para atuarem e gerirem
todo esse sistema (Saúde e Educação Públicas).
Quanta hipocrisia,
quanto cinismo, quanta maldade!
Essa “solução”, na verdade, é um
projeto neoliberal, liderado pelo Partido dos Trabalhadores – quem diria? - com a finalidade de iniciar, e realizar de
forma definitiva, um processo de privatização da Saúde e da Educação Públicas
no nosso País, além de um processo de destruição do Sistema Único de Saúde
brasileiro, de modo a permitir, por exemplo, a implantação da chamada “dupla
entrada” nos nossos Hospitais Públicos Federais, Universitários ou não, que,
com isso, possibilitarão a ocupação de leitos públicos pela iniciativa privada
(leia-se: planos/seguros de saúde), o que limitará ainda mais o acesso da
população mais carente aos serviços públicos de saúde, agravando os problemas
sociais hoje existentes nessa área e acentuando a mistanásia (o abandono
social) a que essa gente mais humilde está submetida.
A história recente do
capitalismo neoliberal nos revela que as chamadas “Parcerias Público-Privadas”
(PPP) foram as grandes responsáveis pela insolvência de inúmeras nações
europeias (dentre elas, Portugal), ficando constatado que essas Parcerias (PPP-
na verdade, “Promiscuidades Público-Privadas) geraram um fluxo muito maior de
verbas (e um fluxo sem qualquer controle) na direção do setor público para o
setor privado, e que, ao longo do tempo, a qualidade dos serviços prestados e
os seus custos tiveram um resultado muito pior do que quando eram prestados
tão-somente pelo Estado. Ou seja, os serviços públicos ficaram piores e mais
caros com as “PPP”.
Mas alguém, em sã consciência,
tinha alguma dúvida de que assim iria acontecer?
Alguém pode imaginar que, numa
Parceria Público-Privada, o setor privado vai ser parceiro para perder?
Todavia, se procurarmos saber o
que diz a nossa Constituição Federal a esse respeito, vamos perceber que Saúde
e Educação são serviços públicos essenciais e que o Estado tem o dever de
prestá-los, significando dizer que quando esses serviços (Saúde e Educação) são
prestados pelo Poder Público, estes só podem existir sob o manto do regime
jurídico de direito público, e jamais sob a autoridade do regime jurídico de
direito privado – reservado, este, à iniciativa privada, nos casos que envolva
saúde e educação.
E outra não pode ser a correta
interpretação do texto constitucional, como muito bem e corajosamente já se
manifestou o brilhante jurista Dalmo Dallari sobre esse tema, haja vista que a
Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, estabelece,
explicitamente, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito; mas,
implicitamente, que, na verdade, o Brasil é um Estado Social e Democrático de
Direito. Por isso, o SUS (Sistema Único de Saúde) é cláusula pétrea
constitucional, como são cláusulas pétreas os nossos Hospitais Públicos
Federais Universitários na sua relação com as Universidades Públicas Federais
brasileiras. E outro não pode se o entendimento.
Por isso, ideias como a Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Fundações Estatais de Direito
Privado são absolutamente inconstitucionais, sob a óptica do ordenamento
jurídico pátrio, no que diz respeito aos direitos sociais previstos no Título
VIII da nossa Carta Magna, razão pela qual esperamos que o Supremo Tribunal
Federal (STF) – Tribunal Constitucional que é -, ao ser provocado para
manifestar-se sobre esse tema, analise, julgue e decida essa questão sem
aceitar qualquer pressão ou imposição politica de quem quer que seja,
mergulhando com responsabilidade jurídica e social, e sem se afastar dos
Princípios Constitucionais nela contidos, com a celeridade que a gravidade do
tema exige, de modo a por um freio de uma vez por todas em qualquer tentativa
governamental – seja o Governo que for – de destruir os nossos Hospitais
Públicos (Federais, Estaduais, Distrital, Municipais), Universitários ou não,
apontando para o Estado Brasileiro que ele tem o dever constitucional de promover
e garantir as Universidades Públicas Federais e os Hospitais Públicos Federais
funcionando com qualidade e gratuitos para toda a nossa população, de forma
igualitária, integral e universal, sendo um mandamento constitucional que isso
aconteça; pondo fim a esse processo, que hoje estamos vivendo, de
desconstitucionalização da ordem jurídica estabelecida, por conta de uma
ideologia neoliberal (que já mostrou ao mundo os seus resultados maléficos para
toda a sociedade) de Poder, que, para existir, precisa, antes, desconstruir o
Estado e redesenhá-lo de modo a atender aos interesses exclusivos do mercado
livre e do capital financeiro, do qual não excluem nem mesmo os nossos direitos
sociais (os nossos direitos humanos), tão duramente conquistados e positivados
hoje na nossa Constituição Cidadã.
Wladimir
Tadeu Baptista Soares
Advogado,
médico e Professor do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal Fluminense
E-mail:
wladtbs@gmail.com
Tel:
(21) 9647 4121
End:
Rua Juiz de Fora, nº 15 bloco 3 apt 707 Grajaú Rio de Janeiro
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