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sexta-feira, 3 de maio de 2013

A CRISE DOS NOSSOS HOSPITAIS PÚBLICOS FEDERAIS UNIVERSITÁRIOS

                
A crise atual dos nossos Hospitais Públicos Federais, Universitários ou não, está fundamentada em cinco problemas principais: a falta crônica de recursos humanos em número adequado e qualificado para atender às necessidades ao seu normal e bom funcionamento; a precariedade do seu parque tecnológico; o sucateamento da sua estrutura física; a enorme redução do número de leitos hospitalares ativos; e o fechamento de diversos serviços, dentre os quais os Serviços de Emergência.
               Todos esses problemas, que comprometem o aprendizado dos estudantes e dos médicos residentes (e de outros profissionais também), que promovem a desmotivação dos servidores públicos (docentes e não docentes), além de comprometer a eficiência e a qualidade no atendimento aos usuários do sistema, têm uma só causa fundamental: a omissão criminosa do Poder Público Federal (mas também dos Poderes Públicos Estadual, Distrital e Municipal), que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, vem se negando a autorizar e realizar concursos públicos regulares para essas instituições, de modo a preencher o total das vagas ociosas existentes, além de se negar a abrir novas vagas – já que o País cresce demograficamente e a demanda aumenta na mesma proporção -; vem promovendo a desvalorização dos seus servidores públicos (além de oferecer cursos internos de capacitação, que, efetivamente, não capacitam ninguém ou capacitam, de fato, pouquíssima gente); vem fechando as portas e criando cada vez mais dificuldades de acesso para os usuários, com o discurso mentiroso de que, na verdade, está organizando o sistema; além da contenção de investimento público no setor, tornando essas Instituições verdadeiros prédios públicos sucateados. Tudo isto, e muito mais, criando para qualquer gestor desses hospitais uma situação impossível de bem administrar o caos instalado.
               Então, dizem os Governos e a Imprensa: os culpados de todo este descalabro são os servidores públicos – aqueles que estão ali trabalhando em péssimas condições de trabalho, muitas vezes sozinhos no serviço, improvisando em todo momento protocolos de tratamentos – já que faltam medicamentos (porque em muitos desses hospitais os antibióticos também são plantonistas – não estão na Farmácia todos os dias), substituindo materiais (por exemplo, fios de sutura utilizados em cirurgias) por outros não tão eficazes – porque só pode usar aquele material que está de “plantão” no almoxarifado naquele dia -, dentre tantas outras situações angustiantes que esses profissionais têm que lidar no dia-a-dia desses hospitais. E isso, muitas vezes, leva à responsabilização médica em Ações Judiciais, em razão de maus resultados obtidos e não, necessariamente, por erro médico. Estamos, há anos, trabalhando com o que temos e não com o que deveríamos ter.
               Assim, ao longo de todo esse tempo, o Governo Federal (leia-se: todos os entes federativos) vem promovendo, de forma consciente e inconsequente, a inconstitucionalidade de autorizar, de forma mesmo compulsiva, para esses hospitais, tão-somente a contratação de “funcionários públicos” – todos eles: médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, técnicos em radiologia, professores, técnicos de enfermagem, agentes administrativos, dentistas etc – através de processo seletivo simplificado e contrato temporário de trabalho, com duração de um a dois anos, ao término do qual novas contratações são autorizadas e realizadas, pelo mesmo regime precário de contratação, desfigurando todos esses hospitais, tornando impossível qualquer planejamento mínimo para esses hospitais, tendo em vista que qualquer planejamento estratégico é inviável com tamanha mobilidade de recursos humanos não efetivos e estáveis, o que impede a continuidade de qualquer plano de ação pensado e estabelecido. O sistema não tem como funcionar desse jeito.
               Na verdade, essa política de contratos temporários não emprega ninguém na área da Saúde e na área da Educação Superior, além de promover e manter a chamada “indústria dos concursos públicos”, em que o indivíduo é levado a pagar uma taxa de inscrição (sempre muito cara) para a empresa responsável pela aplicação das provas do concurso, passando a concorrer a vagas inexistentes (os chamados “cadastros de reserva”) ou a uma só vaga – quando, na verdade, a necessidade é muito maior -, tudo isso de uma inconstitucionalidade incontestável, por ferir o Princípio da Moralidade Pública, já que estamos falando de Saúde e Educação Públicas – serviços públicos cuja natureza é de continuidade e essencialidade (como já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal – STF), e jamais de temporariedade. Aliás, o Senador Darcy Ribeiro costumava dizer que “Saúde e Educação são verdadeiras pré-prioridades”, direitos naturais anteriores e prioritários a quaisquer outros direitos sociais, aos quais não cabe qualquer tipo de contenção de verbas públicas, pois inerentes ao direito à vida e ao direito à vida com dignidade (completamos nós).
               Portanto, contratação temporária há mais de vinte e cinco anos nesses hospitais atendem somente a interesses privados, e em hipótese alguma ao interesse público.
               Isso, somado à falta permanente de investimentos públicos (e não gastos públicos, como alguns teimam em afirmar) nesses Hospitais Públicos Federais Universitários, acaba por gerar uma situação crítica de falência do sistema, criando um ambiente (e criando de forma proposital) de caos social nesse setor – tudo muito bem arquitetado para a idealização e construção do pior dos mundos para esses hospitais, mas acompanhado de um discurso oficial do Governo – e sustentado vergonhosamente por alguns órgãos da imprensa - de que a culpa de tudo isso é dos servidores públicos e do regime de direito público a que eles estão submetidos.
               Desse modo, trazem a solução para todos esses problemas: começam a autorizar a criação de inúmeras entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado para atuarem e gerirem todo esse sistema (Saúde e Educação Públicas).
               Quanta hipocrisia, quanto cinismo, quanta maldade!
               Essa “solução”, na verdade, é um projeto neoliberal, liderado pelo Partido dos Trabalhadores – quem diria? -  com a finalidade de iniciar, e realizar de forma definitiva, um processo de privatização da Saúde e da Educação Públicas no nosso País, além de um processo de destruição do Sistema Único de Saúde brasileiro, de modo a permitir, por exemplo, a implantação da chamada “dupla entrada” nos nossos Hospitais Públicos Federais, Universitários ou não, que, com isso, possibilitarão a ocupação de leitos públicos pela iniciativa privada (leia-se: planos/seguros de saúde), o que limitará ainda mais o acesso da população mais carente aos serviços públicos de saúde, agravando os problemas sociais hoje existentes nessa área e acentuando a mistanásia (o abandono social) a que essa gente mais humilde está submetida.
               A história recente do capitalismo neoliberal nos revela que as chamadas “Parcerias Público-Privadas” (PPP) foram as grandes responsáveis pela insolvência de inúmeras nações europeias (dentre elas, Portugal), ficando constatado que essas Parcerias (PPP- na verdade, “Promiscuidades Público-Privadas) geraram um fluxo muito maior de verbas (e um fluxo sem qualquer controle) na direção do setor público para o setor privado, e que, ao longo do tempo, a qualidade dos serviços prestados e os seus custos tiveram um resultado muito pior do que quando eram prestados tão-somente pelo Estado. Ou seja, os serviços públicos ficaram piores e mais caros com as “PPP”.
               Mas alguém, em sã consciência, tinha alguma dúvida de que assim iria acontecer?
               Alguém pode imaginar que, numa Parceria Público-Privada, o setor privado vai ser parceiro para perder?
               Todavia, se procurarmos saber o que diz a nossa Constituição Federal a esse respeito, vamos perceber que Saúde e Educação são serviços públicos essenciais e que o Estado tem o dever de prestá-los, significando dizer que quando esses serviços (Saúde e Educação) são prestados pelo Poder Público, estes só podem existir sob o manto do regime jurídico de direito público, e jamais sob a autoridade do regime jurídico de direito privado – reservado, este, à iniciativa privada, nos casos que envolva saúde e educação.
               E outra não pode ser a correta interpretação do texto constitucional, como muito bem e corajosamente já se manifestou o brilhante jurista Dalmo Dallari sobre esse tema, haja vista que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, estabelece, explicitamente, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito; mas, implicitamente, que, na verdade, o Brasil é um Estado Social e Democrático de Direito. Por isso, o SUS (Sistema Único de Saúde) é cláusula pétrea constitucional, como são cláusulas pétreas os nossos Hospitais Públicos Federais Universitários na sua relação com as Universidades Públicas Federais brasileiras. E outro não pode se o entendimento.
               Por isso, ideias como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Fundações Estatais de Direito Privado são absolutamente inconstitucionais, sob a óptica do ordenamento jurídico pátrio, no que diz respeito aos direitos sociais previstos no Título VIII da nossa Carta Magna, razão pela qual esperamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) – Tribunal Constitucional que é -, ao ser provocado para manifestar-se sobre esse tema, analise, julgue e decida essa questão sem aceitar qualquer pressão ou imposição politica de quem quer que seja, mergulhando com responsabilidade jurídica e social, e sem se afastar dos Princípios Constitucionais nela contidos, com a celeridade que a gravidade do tema exige, de modo a por um freio de uma vez por todas em qualquer tentativa governamental – seja o Governo que for – de destruir os nossos Hospitais Públicos (Federais, Estaduais, Distrital, Municipais), Universitários ou não, apontando para o Estado Brasileiro que ele tem o dever constitucional de promover e garantir as Universidades Públicas Federais e os Hospitais Públicos Federais funcionando com qualidade e gratuitos para toda a nossa população, de forma igualitária, integral e universal, sendo um mandamento constitucional que isso aconteça; pondo fim a esse processo, que hoje estamos vivendo, de desconstitucionalização da ordem jurídica estabelecida, por conta de uma ideologia neoliberal (que já mostrou ao mundo os seus resultados maléficos para toda a sociedade) de Poder, que, para existir, precisa, antes, desconstruir o Estado e redesenhá-lo de modo a atender aos interesses exclusivos do mercado livre e do capital financeiro, do qual não excluem nem mesmo os nossos direitos sociais (os nossos direitos humanos), tão duramente conquistados e positivados hoje na nossa Constituição Cidadã.
Wladimir Tadeu Baptista Soares
Advogado, médico e Professor do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
Tel: (21) 9647 4121
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