13 de maio de 2013
O cenário condiz com as
políticas adotadas: a situação acuada no caminhão, ao lado de uma oposição que
não teve uma política de enfrentamento adequada no momento necessário, tudo
isso com a proteção policial.
Por Professores Independentes
A greve dos professores do
estado de São Paulo foi encerrada no último dia 10 de maio por uma manobra de
toda a burocracia sindical. Esse texto procura levantar algumas questões sobre
esse processo, que culminou num intenso enfrentamento entre os professores
independentes e a diretoria do sindicato.
Em primeiro lugar, é preciso
situar a Associação dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo –
APEOESP. Com 180 mil sócios e representação em 93 regiões (subsedes) do estado,
é hoje um dos maiores sindicatos da América Latina, com arrecadação na casa dos
milhões de reais. Não há novidade alguma em afirmar que os sindicatos estão
engolidos pelo Estado e pelo capitalismo – no Brasil, sabemos que desde Vargas
isso é uma realidade. A APEOESP não é uma exceção. Uma notícia veiculada pelo
próprio Sindicato registra que a presidenta Maria Izabel Noronha tomou posse
como Vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação – CNE [1]. Ou seja, a representante dos trabalhadores faz parte da
máquina estatal, da qual deveria exigir e cobrar. Estamos em um cenário em que
a inter-relação entre governos, patrões e sindicatos ganha cada vez mais
espaço, assim como o processo de judiciarização das lutas [2]. Os trabalhadores
são conclamados a… confiar na burocracia, que está sempre entrando com
providências jurídicas, movendo ações, fazendo tudo que é necessário para
garantir direitos e conquistas. (E, no entanto, os direitos não são garantidos,
muito menos as conquistas.)
Temos, então, a greve que a
categoria acaba de protagonizar. Ela é encaminhada, desde o início, de cima
para baixo: proposta pela direção majoritária (Artsind – CUT/ PT) e aprovada na
V Conferência Estadual da Educação, em novembro de 2012 [3]. A Conferência é
controlada pelo PT, que traz a maior parte dos delegados. Uma greve é marcada,
portanto, meses antes, por iniciativa da direção majoritária, em uma instância
não-deliberativa (uma Conferência), passando por cima de toda a base da
categoria. Os setores da Oposição Alternativa (PSTU, Conspiração Socialista e
outros), Unidos pra Lutar, Trabalhadores na Luta Socialista (TLS) e Na Escola e
na Luta (os dois últimos como braços sindicais do PSOL) buscam denunciar esta
manobra, sendo acusados espertamente pela direção de “não quererem construir a
mobilização”. A greve aconteceria de qualquer jeito – e fica nítido desde o
início o objetivo eleitoreiro do PT, que deveria desgastar o governo do PSDB em
São Paulo, seu principal concorrente nas eleições estaduais de 2014.
Em 15 de março, então, é
realizada uma assembleia para referendar a “decisão” da Conferência, aprovando
um “indicativo” de greve. Marca-se uma assembleia para 19 de abril, mas a data
do início da greve não é consensual, devido à incompatibilidade das agendas
partidárias em disputa: o PT defende o início da greve para 22 de abril (já no
dia letivo posterior à assembleia de 19), visando estrategicamente o desgaste
dos tucanos. Já o PSTU, grupo majoritário da Oposição Alternativa/CSP-Conlutas,
tinha uma manifestação de sua central sindical marcada para o dia 24 de abril,
em Brasília [4], e fica em um mato sem cachorro: como construir, ao mesmo
tempo, o início da greve e a manifestação de seu grupo político? Sustentam,
assim, uma falsa preocupação em adiar a paralisação alguns dias para fazer “um
maior trabalho de base” e defendem o início da greve junto com sua ida a
Brasília. Perdem a votação, e conta-se que em muitas subsedes da APEOESP a
principal preocupação da oposição era chamar para o ato em Brasília,
“esquecendo” de convocar o conjunto da categoria à assembleia para decidir
sobre a greve.
Em 19 de abril, finalmente (e
apesar dos interesses partidários), a greve da categoria é aprovada, em uma
assembleia com cerca de 20 mil professores [5].
É
um resto de toco, é um pouco sozinho
As principais reivindicações
são de reposição das enormes perdas salariais, aumento real de salário e
estabilidade para toda a categoria. Este último ponto merece destaque. Uma vez
estabelecida a divisão da categoria em efetivos, “F” e “O”, além do eventual
(“V”), o governo intensificou a precarização do trabalho docente. Os
professores efetivos são aqueles aprovados em um dos poucos concursos
realizados. Os professores categoria “F” são aqueles que eram “OFAs” (Ocupantes
de Função-Atividade) antes de 2007 e agora gozam de certos benefícios dos
efetivos, como o direito a 6 abonos por ano, estabilidade estatutária de
funcionário público e a garantia de ter 10 aulas semanais no início do ano,
sendo o restante da jornada atribuído depois dos efetivos. Já o professor de
categoria “O” vive numa situação de extrema precariedade, uma vez que seu
contrato é válido somente até o último dia letivo de dezembro, possuindo o
direito a apenas 2 abonos de ponto por contrato. Sendo demitidos em dezembro e
recontratados em fevereiro, não têm direito às férias, recebendo o 1° salário
novamente apenas em março ou abril. Ou seja, passam meses sem receber (recebem
em média 10 salários por ano). Não são estatutários nem celetistas e não
possuem sequer os direitos de um trabalhador terceirizado, sendo regidos pela
Lei Complementar 1093/09, sancionada pelo governador José Serra. Ao contrário
dos demais servidores, não têm direito a assistência médica pelo IAMSPE e
precisam se submeter a um processo seletivo todos os anos – ou seja, precisam “passar
no concurso” todos os anos. Se não passarem, também “pegarão” aulas (pois há
falta de professores), mas serão taxados de “reprovados”. A vida de um
professor de categoria “O” é feita de humilhações cotidianas.
Esta forma absolutamente
precarizada de contratação já alcança hoje mais de 48 mil professores, o que
constitui quase 1/4 da categoria. A situação em si é ilegal, contradizendo a
própria Constituição Federal, que estabelece em seu art. 37 que as contratações
temporárias apenas atenderão à necessidade “de excepcional interesse público”,
ficando claro o seu caráter de exceção. Estes professores, em sua maioria
jovens, marcaram presença na mobilização, ao contrário das expectativas da
burocracia.
Logo na primeira semana o
secretário de educação, Herman Voordwald, chamou a direção do sindicato para
negociação. Aquilo que parecia acenar a um acordo foi somente um jogo para o
governo dizer que abriu negociações, onde na verdade nada foi negociado [6].
A segunda assembleia, realizada
em 26 de abril, demonstra um amplo apoio do professorado, com uma mobilização
de mais de 20 mil manifestantes que ocupam a Av. Paulista, descendo pela Av.
Consolação e chegando à Secretaria de Educação do estado, na Praça da
República. Até então, o discurso levado pelas diversas forças políticas nas
escolas é o de fortalecimento da greve e do Sindicato. Neste sentido, situação
e oposição estão unidas, lutando contra os desmandos do governo estadual.
Porém, este cenário começa a mudar com o estouro da luta dos professores municipais
de São Paulo.
O mês de maio começa com 2
assembleias realizadas simultaneamente. No centro estão os professores do
município de São Paulo, que declaram greve contra o governo municipal após o
absurdo anúncio de 0% de reajuste para o ano de 2013. Apenas alguns quilômetros
adiante, na Av. Paulista, estão os professores estaduais também paralisados,
realizando sua 3ª assembleia.
A assembleia dos servidores
municipais decide pela unificação das lutas, e os professores caminham em
direção à Praça da República, esperando pelos colegas da rede estadual. Na
Paulista, os professores enfrentam uma assembleia atrasada em mais de 2 horas
em seu início, com dezenas de falas inscritas pela Articulação, que se repetem
e repetem. Vaias estrondosas começam a ser ouvidas, além de um grande coro pela
unificação. Os professores exigem que a assembleia se encerre e que se caminhe
ao encontro dos professores municipais. O objetivo de todos os trabalhadores da
base é o mesmo: fortalecerem-se mutuamente.
É
o vento ventando, é a chuva chovendo
A direção da APEOESP está em
pânico diante da possibilidade de unificação – professores estaduais e
municipais lutando juntos contra a política de precarização da educação
pública. A greve está saindo do controle da burocracia. Ao invés de fortalecer
o PT, os professores estaduais fortaleceriam uma luta contra o PT. O feitiço
viraria contra o feiticeiro.
O desespero da burocracia é tão
grande que se apela a argumentos divisionistas: tentam convencer as bases de
que os professores da rede estadual “têm pautas específicas”; que quem quer a
unificação são aqueles que acumulam cargos (no estado e na Prefeitura, que
aliás são muitos); que ir ao encontro dos professores municipais seria um
desrespeito para com as subsedes que vieram do interior. Cada argumento faz
menos sentido que o anterior e é recusado pelos professores com vaias cada vez
maiores.
Perdendo uma votação sobre a
mudança do local da próxima assembleia (pois um grande número de professores
consegue impor sua vontade, decidindo pela manutenção da Av. Paulista, em uma
recusa da política de recuo da greve), a burocracia finalmente encerra a
assembleia e os manifestantes saem em passeata. Um grande contingente de
policiais vai à frente, formando um cordão diante dos manifestantes. O cerco
estava fechado e a arapuca armada.
Enquanto a base se propunha a
caminhar decisivamente ao encontro dos colegas da rede municipal, através de
outro golpe a direção majoritária desvia o itinerário (não votado na
Assembleia), causando o princípio de uma confusão [7]. A polícia, que dirigia a
passeata e estava previamente orientada, se posiciona para impedir a
continuação da caminhada pela Av. Paulista, forçando o desvio de rota. Depois
de cerca de 30 minutos nesse impasse, o clima se acirra cada vez mais até que
João Zafalão, representante da Oposição Alternativa na direção, resolve se
pronunciar no carro de som. Seu discurso não destoa da direção majoritária,
destacando a importância da não divisão da categoria naquele momento de
conflito e sugerindo o prosseguimento do ato de acordo com o itinerário traçado
pelos dirigentes petistas. Em um momento decisivo, a Oposição Alternativa
recua, “ajudando” a burocracia, apoiando-se na velha máxima de acumular forças
nas bases para uma posterior ampliação e radicalização da ação – uma ação que
nunca sai do futuro. Também é marcante a ausência do conjunto dos setores da
oposição neste momento delicado: o que se via era um grande número de
professores independentes na linha de frente do enfrentamento. A unificação das
lutas, defendida pela oposição, só apareceu no carro de som, não se
concretizando na prática, quando acataram mais uma manobra da diretoria.
Enquanto estes grupos esperam pacientemente pelas condições subjetivas
necessárias para uma forte mobilização, os professores independentes seguem
seus caminhos.
Essas contradições são, em
grande parte, compreendidas a partir de uma deliberação do Congresso da APEOESP
de 2000. Ali, além de outras propostas, foi votado o direito à
proporcionalidade na direção sindical, o que foi recebido com grande festa por
toda a oposição. Até então só fazia parte da direção o grupo que vencesse as
eleições. No entanto, ainda que a proporcionalidade seja um princípio do
sindicalismo classista e revolucionário, entendemos que este princípio aplicado
a uma estrutura sindical viciada, burocrática e atrelada ao Estado tem suas
implicações adversas. É como fazer remendos novos em uma roupa velha. O que
vemos hoje é um racha na oposição e uma incessante disputa por um lugar ao sol
na diretoria. Todos acabam querendo mamar um pouquinho nas tetas do sindicato,
mais ou menos presos às engrenagens dessa máquina.
É
a lenha, é o dia, é o fim da picada
A greve inicia sua terceira
semana com as orientações bem demarcadas de cada grupo. Se por um lado a
situação age com todas as forças pela desmobilização da categoria, por outro, a
oposição já sente que a mobilização não duraria muito tempo. Afirmar que a
greve não teve continuidade devido ao enfraquecimento da categoria impede a
realização de uma análise mais profunda, que busque as reais motivações do
movimento e das forças políticas envolvidas – foi essa estratégia utilizada
pela atual direção para defender o fim da greve. Prestaram-se a esse papel os
representantes do PT, PCdoB e PSOL, que se empenharam em terminar a greve na
assembleia de 10 de maio.
Por outro lado, os diversos
setores de oposição, percebendo as dificuldades na manutenção da greve, passam
a ter posicionamentos diversos sobre a continuidade da mesma. Uma parte defende
o fim imediato da greve, nesta assembleia; outro setor, liderado pelo PSTU,
aposta no seu adiamento para a próxima terça-feira, 14 de maio, quando haveria
a assembleia dos professores municipais em greve e a oportunidade, portanto, de
encerrar a greve dos professores estaduais em um possível ato unificado.
A assembleia de 10 de maio tem
início com essas posições já definidas pelas diversas correntes do sindicato –
bastava levá-las a votação e seguir a decisão do conjunto da categoria. No
entanto, não é bem isso que acontece. A maioria dos professores presentes
decide por não acabar com a greve e é favorável a uma próxima assembleia em 14
de abril, unificando com os professores municipais em greve. A Articulação, que
precisava a todo custo de impedir a unificação com os professores municipais e
o desgaste da Prefeitura do PT, se utiliza de um antigo recurso da burocracia
sindical: não fazer valer a assembleia e atropelar, sem cerimônia, a decisão
dos professores. Em uma votação relâmpago, que mal pode ser registrada pela imprensa
(como das outras vezes), a presidenta Maria Izabel declara a greve encerrada e
se esconde na parte de baixo do caminhão.
É
o carro enguiçado, é a lama, é a lama
Neste momento de manobra da
direção do sindicato, a oposição se cala. Nenhum representante ensaia pegar o
microfone e denunciar esse abuso. Os professores então, revoltados, decidem
expressar seu descontentamento com um Sindicato que ignora as decisões tomadas
pela base. Muitos se aglutinam ao redor do caminhão, de modo que a direção fica
acuada do lado de dentro. Alguns apoiadores da situação fazem um bloqueio na
porta que dá acesso ao local onde se encontram os dirigentes. A tensão entre os
guardiões da burocracia sindical e o restante do professorado dura cerca de
meia hora, até que a polícia chega e toma conta da situação, fazendo um cordão
de isolamento em todo o caminhão. Alguns professores haviam subido em cima do
caminhão e são retirados pela polícia, com seus métodos habituais.
Finalmente o cenário condiz com
as políticas adotadas. A situação acuada no caminhão, ao lado de uma oposição
que não teve uma política de enfrentamento adequada no momento necessário. Tudo
isso com a proteção policial – afinal, o Estado tem que defender os seus
negociadores diante de uma classe insurrecta.
Essa crescente indignação que
tomou conta dos professores independentes é fruto de uma intensa mobilização,
realizada no decorrer da greve principalmente pelos professores mais
precarizados, os chamados categoria “O”. Isso desmonta a argumentação de que essa
havia sido uma greve de vanguarda. Na realidade, a pouca quantidade de comandos
de greve em algumas subsedes só aponta para o enfraquecimento dessa vanguarda
diante de tantas greves sem vitórias significativas para a categoria.
Depois que a polícia sitia o
caminhão de som, alguns líderes da oposição resolvem sair da toca. João Zafalão
convoca uma pequena assembleia, pronuncia algumas palavras no megafone sobre a
manobra da Articulação e faz um chamado para que todos sigam em marcha até a
Secretaria de Educação de São Paulo, na Praça da República, para demonstrar a
insatisfação com a situação. O chamado foi retardatário. Muitos professores, de
forma independente, já tinham saído em marcha em direção à sede central do
sindicato, também na Praça da República, com o intuito de ocupar este espaço.
Neste meio tempo, a polícia consegue fazer com que o caminhão siga no fluxo
contrário da Av. Paulista, assegurando a revoada da burocracia sindical. Cerca
de 3 mil pessoas participam dessa marcha, acompanhada de um helicóptero e
várias motos da polícia, que intimidam os manifestantes em todo o trajeto. As
correntes de oposição participam da caminhada, mesmo após suas repetidas
ausências nos momentos de enfrentamento. Chegando à Praça da República, a
Oposição Alternativa e outros grupos que compõem a oposição vão para a
Secretaria de Educação, que já estava fechada e onde nada havia a fazer,
recusando-se a ocupar o Sindicato junto com os demais manifestantes. É
compreensível, já que estão presentes em cargos na diretoria, como já
discutimos. Para o grupo que chega finalmente à sede do Sindicato, nenhuma
surpresa: dezenas de policiais os esperam. Traídos pela direção, fragmentados
pela oposição, acuados pela polícia – em uma palavra, exaustos, aos poucos os
professores se dispersam. Mas o sentimento de revolta permanece no ar e não há
corporativismo que cale o grito daqueles que continuam explorados pelo Estado
com o consentimento do Sindicato. Fica muito claro para essa nova camada de
professores altamente precarizada, que fazem sua experiência política com as
direções sindicais, que esses gestores tem como objetivos apenas os seus
próprios ganhos na corrida eleitoral – e não as conquistas econômicas dos
trabalhadores, o melhoramento das condições de trabalho, a valorização da
carreira docente, o enfrentamento da questão da violência e, finalmente, a
defesa da educação pública e a reflexão sobre o papel da escola na sociedade.
Notas
[1]
http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/presidenta-da-apeoesp-e-a-nova-vice-presidenta-da-camara-de-educacao-basica-do-cne/
[2]
http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/apeoesp-urgente/n-17-agora-vamos-para-brasilia/
[3]
http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/apeoesp-urgente/n-86-cer-aprova-encaminhamentos-para-a-greve/
[4] http://cspconlutas.org.br/2013/04/rumo-a-brasilia-ultimos-preparativos-para-a-marcha-de-24-de-abril/
[5]
http://passapalavra.info/2013/04/76223
[6]
http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/apeoesp-urgente/n-19-o-governo-quer-derrotar-os-professores-isto-nao-vamos-permitir-a-greve-continua/
[7]
http://www.youtube.com/watch?v=rvj3R-EY6qM
Os leitores encontrarão aqui um
glossário de gíria e de expressões idiomáticas,
tanto do Brasil como de
Portugal.
Fonte: Passa Palavra
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