Pesquisar este blog

terça-feira, 28 de maio de 2013

Vivemos em uma sociedade de hipócritas e egoístas

Maria Deusa Ferreira da Silva*

Resolvi escrever esse texto para expressar minha tristeza com vários aspectos da vida acadêmica que venho vivenciando/observando, os quais passo agora a pontuar. Primeiro, tenho observado e constatado (outros colegas também) por meio de testes de sondagem que os alunos têm chegado à universidade (especificamente os que ingressam para cursarem a área das Ciências Exatas), cada vez mais despreparados em domínios básicos da matemática para terem as condições mínimas de cursarem as disciplinas iniciais dos cursos (Matemática, Física e Ciência da Computação). Isso tem levado a altos índices de reprovação nas disciplinas básicas Cálculo I, Fundamentos de Matemática, Geometria Analítica, etc. Assim, a grande maioria dos alunos desses cursos vai colecionando seguidas reprovações, o que é o primeiro passo para o abandono do curso (a situação do curso de matemática da UESB/VC é vexatória). Nesse semestre estou ministrando Cálculo I para alunos do I Semestre de Física e Ciência da Computação (os calouros) e, se, de fato, tivesse iniciado o curso pelo que realmente trata a disciplina, boa parte da turma já teria desistido porque não teria a menor condição de acompanhar o conteúdo. Ao invés disso, iniciei o curso fazendo uma retomada de conteúdos básicos que deveriam ser trabalhados e/ou aprendidos no Ensino Médio e, mesmo, assim, observo que muitos deles continuam sem compreender, sem avançar.  Às vezes me sinto como se estivesse falando algo de outro planeta, alguns termos e situações que deveriam ser bem corriqueiras dizem nunca ter ouvido falar, não lembram, não sabem. Daí vem o segundo ponto: em um levantamento feito junto aos alunos constatei que mais de 90% da turma de Física e mais de 60% da de Computação são oriundos de escolas públicas, de diversas cidades da Bahia e até de outros estados. Desse modo, a falta de domínio de conteúdos mínimos em matemática vem comprovar o estado caótico da Educação Pública, das quais os alunos saem do ensino médio e ingressam no ensino superior. Como resolver esse problema? Desde que essa gama de alunos tem chegado à universidade (não dá para negar que o acesso ficou mais fácil) não seria papel desta desenvolver ações para garantir a permanência (com qualidade) desses alunos? O que fazem os nossos dirigentes máximos? Isso me leva ao terceiro ponto: muito pouco tem sido feito em nossa instituição para mudar tal situação. Percebendo as dificuldades dos alunos, montei cursos de nivelamento e conversei e alertei-os sobre a necessidade de estudarem mais, de permanecerem mais tempo na universidade, em horários fora do horário de aulas e formarem grupos de estudos para, quem sabe, juntos superarem as dificuldades na Disciplina Cálculo. A partir disso, constatei vários problemas graves que impedem a esses alunos de melhorem sua condição (e mesmo os alunos calouros já se dão conta disso), como por exemplo, o fato de não se ter onde ficar e estudar na universidade, a nossa biblioteca não comporta, não tem espaço para todos, não temos bibliotecas setoriais, os livros são poucos, há décadas a biblioteca não é ampliada, as salas de estudo individual são poucas, desconfortáveis e insuficientes para atender à demanda; as salas de aula dos módulos mal atendem às aulas normais e, quando estão vazias ficam trancadas e os alunos são proibidos de usá-las. Além disso, ficar na universidade e depender de alimentação é outro grave problema, pois o valor cobrado é muito alto, fora dos padrões da maioria dos estudantes, sem contar que o nosso RU é uma piada em termos de tamanho e oferta de alimentação. Ainda, muitos desses alunos vêm de cidades vizinhas (não tem condições de residir em Vit. da Conquista) e os precários ônibus que os transportam geralmente chegam depois do início da primeira aula e vão embora antes do término da última aula. Assim, como pedir para que os alunos fiquem na universidade se esta não oferece as condições mínimas de permanência? A universidade existe para quê e para quem? Qual é o principal objetivo da universidade? Aqui chego ao quarto ponto: esses questionamentos me levam também a observar/constatar a visão de universidade que muitos colegas têm. Uma parte não está nem ai para a instituição, não se interessa por nada que diga respeito a esta, nem mesmo depende unicamente do salário que dela recebe. Outra parte, especialmente os doutores (muitos com DE) não estão preocupados com essas questões. Só olham para o próprio umbigo, acreditam que a universidade existe para atender às suas necessidades docentes (de pesquisador), estão apenas preocupados com a famigerada produção acadêmica, quantos artigos terão que publicar por ano, se o periódico é Qualis A, B e por aí vai, quantos pontos isso vai render no também famigerado Currículo Lattes; afinal de contas isso é o que importa para concorrer a financiamentos, projetos, bolsas, manter os mestrados e doutorados acadêmicos com boa nota (A CAPES exige e poucos se rebelam, quando fazem são taxados de improdutivos, incompetentes pelos pares). Ainda vale destacar que para muitos desses colegas o que vale é a sua pesquisa, é o seu grupo de pesquisa. Portanto, só os mestrados e doutorados acadêmicos é que prestam, afinal de contas eles vão formar mestres e doutores para academia (o círculo se fecha). Esses se acham os “salvadores da universidade”, acreditam que geram produção acadêmica de qualidade, que são insuperáveis, insubstituíveis, etc. Se esquecem do principal que é o aluno. Também, sabemos que um currículo recheado vai render muitos pontos e garantir alguns privilégios, por exemplo, conseguir mais bolsistas, não preocupados com os alunos bolsistas (sempre os melhores dos cursos), mas consigo mesmos, afinal de contas serão mais pessoas trabalhando para aumentar ainda mais a produção acadêmica deles. Assim, muitos dizem que trabalham pela universidade, dão o sangue pela universidade. Mentira! Trabalham para si mesmos, estão preocupados consigo mesmos, de alimentarem o próprio ego. Não passam de um bando de egoístas. Em meio a tudo isso, vem o quinto ponto: estamos em meio a mais uma possível greve da classe docente. O que esperar de mais uma greve? Vejo muitos reclamando do salário, da falta disso e daquilo, mas será que estamos realmente interessados em resolver os graves problemas da universidade? Em cuidar de quem realmente interessa? Em preservar o papel essencial da Universidade? Não acredito! Vem mais uma greve e após 2 cortes de salários e algumas promessas malfadadas retornamos às mesmas condições, movida pela mesma mediocridade e interesses predominantemente individuais.

*Professora Doutora do DCET/ UESB /VC

2 comentários: