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domingo, 17 de junho de 2012

Esquerda/Direita no Brasil e em Vitória da Conquista: um debate adiado... mas necessário


Charge: visaopanoramica.com
José Rubens Mascarenhas de Almeida*
Um debate não tão novo se acirra no momento e vem em boa hora na nossa cidade, que é a questão da consistência dos conceitos de esquerda e direita. Digo que vem em boa hora, pois o processo eleitoral se avizinha e tem muita coisa fora do lugar, principalmente os discursos eleitoreiros dos oportunistas de plantão. Tentarei ser objetivo, embora saiba da complexidade do tema. Para tanto, recorrerei à didática e procurarei discernir a categoria “esquerda” para, daí, qualificar a direita.
Para além da retórica dos que se arvoraram nos diversos aparelhos do Estado e se autodenominam ‘de esquerda’, recorrerei não a um marxista, para não cobrar de práticas liberais reflexões mais à esquerda. Assim, partindo da concepção de um liberal de carteirinha como Norberto Bobbio, alguns princípios orientam o ser de esquerda. Elencarei apenas alguns poucos que, creio, nos permitirá tirar conclusões definitivas, inclusive porque ainda é um debate inconcluso, apesar de alguns afirmarem o fim peremptório dos termos (acerca ver, para ficar no debate em Vitória da Conquista). Tantos afirmações desse calibre vimos na História da humanidade, do tipo “fim dos tempos”, “fim das ideologias”, “fim da História”... E o mais interessante é que a vida segue a sua dinâmica e a História segue seu rumo tendo os homens como seus principais sujeitos. Mas, vamos a alguns critérios elencados por Bobbio[1].
Um critério essencial para se entender quem é – ou não – de esquerda é ter por pressuposto que esta categoria analítica é relacional: só se é de esquerda em relação ao que é de direita. E, mais que relacionais, direita e esquerda são categorias antitéticas (excludentes), empregadas para designar o contraste entre ideologias e entre os movimentos em que se divide o universo conflitante do pensamento e das ações políticas. Ou seja, aquilo que é de esquerda assim o é com respeito àquilo que é de direita.
Outro critério importante é que esquerda e direita são categorias excludentes. Nenhuma doutrina ou movimento pode ser, simultaneamente, de esquerda e de direita. Assim, não basta se dizer de esquerda para sê-lo. É necessário ter uma base ideológica (ideologia entendida para além do discurso, tendo a prática política como suporte de sua constituição) que indique programa político contraposto e contraste de ideias e de valoração.
O último critério que elegi para esta reflexão – e que eu considero o mais palpável para se distinguir direita de esquerda – é a posição diante do poder: para definir-se de esquerda, um ente político tem que ter alguns traços – fui sucinto e econômico por causa do espaço – que o identifique como tal. Imprescindível dizer, deles todos, o fim a que se propõe. Tradicionalmente entendida, a proposta da derrubada da ordem injusta (injusta porque inigualitária) é uma característica sine qua non na definição de quem é – ou não – de esquerda. Isto implica o lugar político que esse ente ocupa na estrutura de poder.
Nesse sentido, as categorias esquerda e direita não são conceitos absolutos, mas relativos; são ontológicos, mas também lugares do ‘espaço político’. No entanto, uma coisa é certa: não estão obsoletos como muitos apregoam, o que falta é consistência daqueles que se apropriam deles para definir o que querem oportunamente definir. Tais categorias analíticas têm razão e significado históricos que as distinguem entre si. Se não vistas do ponto de vista ontológico, servirão para definir tudo e nada. E isto acontece porque, como primado axiológico, tais categorias liberam uma concepção de valor moral: esquerda (positivo) e direita (negativo). Essa valoração é que explica a insistências dos militantes do Pt e do PCdoB – entre outros – e suas agremiações políticas que, mesmo administrando o Estado burguês, reivindicam para si o status de esquerda. No entanto, oportunisticamente esquecem-se de que elas evocam discursos e práticas políticas.
O que é certo é que estes atores se redefiniram no campo da prática política e não cabem mais nos padrões tradicionais conhecidos por esquerda, o que não quer dizer que os conceitos se obsoletizaram. No caso do PCdoB, utiliza-se de um discurso marxista ortodoxo, mas tem uma prática calcada no pragmatismo mais escancarado da política nacional. Seus líderes falam em revolução ao mesmo tempo em que apoiam e são financiados pelo agronegócio[2].
No caso da direita, está mais disposta a aceitar aquilo que é dado como natural, ou seja, o habitual, a tradição, a força do passado. Esta continua nos padrões tradicionais de seu lugar histórico. O que precisamos aqui é definir com maior presteza o que se denomina e/ou autodenomina de esquerda sem sê-lo, indo para além da ideologia dominante e, daí, traçar o que lhe é antitético, ou seja, o que seria a direita.
A retórica dos que estão no aparelho de Estado apropria-se de tais nomenclaturas de forma vazia e carente de fundamentos, uma das características principais dos grupos hegemônicos na política brasileira hoje. No entanto, as lacunas existentes entre seus discursos e suas práticas são profundas e alarmantes, além de frágeis do ponto de vista de sustentação política e filosófica, mantidas apenas pela fascistização do aparato estatal levado às últimas consequências, como visto em todo o país, e em especial aqui na Bahia pelo sindical petismo (acerca ver o tratamento às greves dos trabalhadores de várias categorias durante os oito anos do governo Jacques Wagner).
Pelos critérios aqui elencados, nenhum dos dois governos (Lula e Dilma), assim como os partidos que o hegemonizam (PT e PCdoB) podem, strictu senso, serem vistos, na prática, como de esquerda, como insistem. Aliás, quem está no Estado hoje usam os recursos públicos mais para financiar os meios de massificação que nos serviços públicos[3] e com isto afirmam qualquer asneira. Vejam o Meirelles, por exemplo: ele, um dos maiores representantes do capital financeiro internacional, primorosamente escolhido – e blindado – por Lula para adequar financeiramente o país à ordem econômica internacional, dizia que a política monetária era de esquerda (risos). Para que tais governos possam ser tidos como de esquerda, teríamos que repensar os conceitos de direita e esquerda na atual conjuntura a partir de suas práticas e seus lugares. Fechando: não são de esquerda.
*Professor de História da UESB.

[1] Não me aterei a todos porque acabaria por estender a sua obra, mas, aos interessados, buscar BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. Disponível para download aqui.
[2] Acerca ver: “Deputados que aprovaram novo Código Florestal receberam doação de empresas desmatadoras”. Disponível em: Centro de Estudos Ambientais; Empresas Transnacionais do AGRO mais generosas nas eleições. Disponível em ONG-CEA. Agronegócio apoia campanha de Aldo Rebelo. Disponível em Centro de Estudos Ambientais. As doações da FIBRIAS nas eleições de 2010. E desfiaria aqui um rosário interminável de demonstrações do financiamento do grande capital aos “comunistas” do PCdoB.
[3] Ver, acerca, nota da Associação Brasileira de Revistas e Jornais, postada no UOL. O site Jogo do poder dá conta dos gastos do PT nos Estados, inclusive o da Bahia. Tais informações se proliferam pelos meios de comunicação.

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