Professor
critica ‘compadrismo’ na seleção de professores universitários e aponta
soluções para o problema, como a criação de comissão independente para o
assunto
Por Angelo
Segrillo*
Um segredo de polichinelo é que muitos concursos públicos para professores universitários não são conduzidos da forma impessoal e neutra como idealmente deveriam ser. Amiúde ocorrem casos de favoritismo de determinados concorrentes com o resultado que nem sempre o melhor ou mais preparado é o escolhido. Este é um problema pouco discutido abertamente, pois mexe em interesses e estruturas de poder acadêmico. Entretanto, é mister enfrentarmos esta questão. Nós, professores universitários, intelectuais em geral, frequentemente acusamos os políticos de patrimonialismo, de usar o público como se fosse privado, e de deixar interesses privados se sobreporem ao público. Mas não será exatamente isso que ocorre nesses casos de favoritismo, nepotismo ou compadrio quando candidatos são favorecidos por estarem já conectados a alguma rede, grupo ou mesmo indivíduo local?
Outra razão por que é importante este problema ser sanado é a seguinte. Nós, os professores universitários, os intelectuais, somos uma espécie de “grilo falante” da sociedade, a consciência que pensa criticamente e aponta erros e caminhos. Se nós aceitarmos este tipo de “patrimonialismo” entre nós, como poderemos criticar os políticos por fazerem o mesmo?
É claro que nem todos os concursos são corrompidos, muitos concursos são honestos e a grande maioria dos professores age honestamente. Mas há um mal-estar entre alguns de nós de que o número de concursos “arranjados” passa, talvez em muito, o nível do meramente esporádico.
Mas como resolver este problema? É muito difícil. Em um concurso público para professor universitário as discussões são de um nível tão alto e abstrato que, muitas vezes, fica complicado para pessoas de fora da área compreender quem, por exemplo, fez uma “boa” ou “má” prova. Além disso, em vários países o problema se apresenta de outras formas.
Esperar uma reação puramente endógena, espontaneamente surgida dos próprios professores já estabelecidos, parece irrealista. A maioria tem medo de mexer em um “vespeiro” desses que envolve tantos interesses e estruturas de poder acadêmico que podem deixar marcados qualquer eventual whistle blower “criador de problemas”.
Um caminho diferente talvez seja possível. Aproveitando até o atual clima de insatisfação com todo tipo de corrupção no país, eu proporia a criação de um Movimento para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos Acadêmicos, reunindo todas aquelas pessoas da área acadêmica e da sociedade civil que considerem ser este problema sério a ponto de merecer um tratamento em separado. Este grupo poderia estudar diferentes experiências mundiais no campo e propor medidas para tornar os concursos mais impessoais, impedindo “compadrios”.
A partir daí este movimento deveria conclamar o Ministério da Educação a se juntar a esta batalha. Como é delicado para o ministério, formado por professores universitários, “investigar” a própria classe, o ministro da pasta poderia propor a criação de uma Comissão Independente para Propostas de Medidas para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos Acadêmicos. Esta Comissão, a partir dos subsídios do movimento anterior, e ouvindo setores da sociedade civil e acadêmica, sugeriria uma série de medidas para melhoria nos concursos. E o Ministério da Educação (assim como faz em programas como o Reuni) poderia usar o estímulo de financiamentos extras para as universidades que adotarem os padrões mais seguros de concursos públicos com as novas medidas propostas. Ou seja, uma espécie de ISO 9000 de concursos como condição necessária para financiamentos acadêmicos adicionais.
Acredito que a diminuição da corrupção em concursos seguirá o padrão da melhoria em nosso sistema eleitoral: passará por um esforço de centralização e padronização de processos. Na República Velha brasileira as eleições, locais e heterogêneas, eram extremamente corrompidas, com muitas fraudes eleitorais. Foi com a criação de uma justiça eleitoral central nos anos 1930, com padrões uniformes de segurança, que a situação começou a melhorar. Uma justiça eleitoral centralizada e independente até hoje é uma das razões dos nossos progressos nesta área. Igualmente, o Ministério da Educação deverá usar os incentivos que possui centralmente para estimular as universidades do Brasil a aderirem a este sistema mais seguro. Sem este estímulo mais centralizado de cima será difícil obter uma melhoria na situação de centenas de concursos fragmentados em estruturas locais de poder acadêmico, dispersas e independentes umas das outras. Uma das medidas que podem ser tentadas é criar a figura do “inspetor” nas bancas de concursos: um membro da banca (preferencialmente de fora da área do concurso, para evitar pressões) cujo principal papel seria de verificar que o processo está ocorrendo de acordo com os padrões de impessoalidade e sem favoritismos.
Sem cair na tentação da caça às bruxas
O principal é que, aproveitando o atual momento de repensar o Brasil, venha à tona para discussão este problema dos concursos acadêmicos. E que se crie um movimento para encaminhamento de propostas de solução. Este será o passo mais difícil.
Finalmente, um dado que considero essencial. Em todos estes movimentos, acho que o importante é discutir apenas medidas institucionais para melhorar os concursos vindouros. De modo algum se deve cair na tentação da “caça às bruxas”, de buscar concursos no passado onde houve favoritismo. Isso só levaria a discussões de caráter pessoal, com dedos sendo apontados, mas com evidências difíceis de serem provadas. Em vez de perder tempo com mesquinharias pessoais do passado (o que dividiria o movimento e jogaria professor contra professor) deve-se concentrar em medidas institucionais, impessoais para melhorar os concursos do futuro. Considero este o caminho mais produtivo.
* Professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo
Fonte: O Globo
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