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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Nas Jornadas de Junho a juventude votou com os pés

Valerio Arcary

                                                 “Os camponeses estão votando com os pés”.
 
Vladimir Ilitch Ulianov, aliás, Lenin, quando informado
que os camponeses estavam desertando
em massa do Exército Czarista
na Primeira Guerra Mundial.

Na Alemanha Oriental, (os) cidadãos decidiram (de forma) desorganizada, espontânea, embora decisivamente facilitada pela decisão da Hungria de abrir suas fronteiras – de votar com seus pés e seus carros con­tra o regime, migrando para a Alemanha Ocidental. Em dois meses, 130 mil alemães orientais tinham feito isso (...), antes da que­da do Muro de Berlim. (...) Foi uma demonstração didática da máxima de Lenin de que a votação com os pés dos cidadãos podia ser mais eficaz do que a votação em eleições.[1]

                                                                                                             Eric Hobsbawm

Um dos traços fundamentais da nova situação aberta neste “inverno do nosso descontentamento” brasileiro, para lembrar o fascinante romance de John Steinbeck sobre a situação nos Estados Unidos nos anos de depressão após a crise de 1929, é que a mobilização das massas está em relativo descompasso com a consciência. A ação é mais avançada que a consciência. Muito mais avançada, na verdade. 

As massas juvenis nas ruas sabem muito melhor o que não querem, do que aquilo que querem. Todas as experiências históricas confirmam que a primeira onda de uma revolta começa na forma do Não! Basta! Chega! Mas esse momento é só o começo. São as mobilizações populares que abrem a possibildade de mudar as sociedades. A evolução da consciência dependerá da luta política. Por isso as responsabilidades da esquerda aumentam.

Na semi-insurreição na Argentina em 2001 a forma da revolta popularizou o Que se vayan todos, (ou Fora Todos) para expressar a indignação, repúdio, e desprezo por todos os partidos eleitorais do regime que se alternavam no poder. O que ajuda a entender o descompasso entre o ódio às formas que assume a dominação, seja o regime político uma ditadura, como no norte da África e Médio Oriente a partir de 2011, ou democracias eleitorais, como na Grécia, Espanha ou Portugal em 2012, é que a raiva amadurece mais rápido que o apoio a uma alternativa política anticapitalista.

O Brasil acompanha, finalmente, uma tendência internacional dos últimos anos pós explosão da crise econômica de 2008. Entramos atrasados. A história explica este padrão: a rebelião popular não é nunca prematura. As massas que entram em luta não são impacientes. Ao contrário, são muito pacientes. Suportam por anos, às vezes, por décadas, condições de vida atrozes, com a raiva crescendo nos dentes,  na esperança de que a vida possa mudar pelo seu esforço individual. 

É somente quando todas as outras possibilidades se esgotaram, incluindo a ilusão nas promessas dos governantes, que grandes mobilizações, na escala de centenas de milhares, são possíveis. Entre a crise e a percepção da crise há sempre um intervalo de tempo necessário para que amplos setores de massas despertem para a terrível descoberta de que sem luta coletiva a vida não vai mudar. Esta descoberta para as massas é assim mesmo, é algo terrível. Porque sabem que vão ter de medir forças e, com razão, têm medo. Na luta milhões estão aprendendo a perder o medo, e não há nada mais extraordinário que isso.

Só quando o mal estar acumulado, subterrânemente, nas “placas tectônicas” da vida social atinge um grau muito elevado de concentração, o chão começa a se mover. Os dirigentes do PT publicaram, há poucos meses atrás, uma cartilha sobre os dez anos de governo se vangloriando de que o Brasil mudou. Enganam-se a si mesmos se ainda acreditam em seus publicitários. O mais importante nos últimos dez anos de reformismo quase sem reformas é que o Brasil não mudou. O que beneficiou o PT e os governos até junho, foi que a consciência média resignada dos trabalhadoras era de que “isso era o melhor que era possível”. Em outras palavras, as baixíssimas expectativas do povo. O se explica, também, pela autoridade do lulismo sobre a geração mais madura do proletariado. 

Junho foi só o começo

Uma análise de porque aconteceu esta explosão em Junho, e não antes nem depois, deve considerar muitos fatores. O aumento das tarifas de ônibus foi só a centelha, uma  faísca que acendeu a fogueira.  Tudo se precipitou a partir da brutal repressão do dia 13 de junho em São Paulo. Não obstante, só podemos compreender a dimensão dos protestos no Brasil se considerarmos: (1) o impacto da crise econômica internacional que condenou o país à estagnação nos últimos dois anos; (2) o congelamento de uma mobilidade social que foi no passado recente muito pequena, rígida, ou seja, empregos precários e salários baixos para uma geração mais escolarizada; (3) o fim da percepção de alívio econômico-social que beneficiou todos os governos reeleitos, fossem liderados pelo PT ou pela oposição de direita; (4) o impacto mundial de processos revolucionários que incendeiam a subjetividade de uma juventude frustrada, socialmente, com a terrível decadência dos serviços públicos e irada, politicamente, com a corrupção generalizada dos partidos nos governos; (5) o esgotamento da experiência da geração mais jovem com o governo liderado pelo PT; (6) a boçalidade provocativa da repressão policial que inflamou a fúria de amplos setores de massas, em especial, no contexto de uma campanha demagógica ufanista durante a Copa. 

Isto posto, o que aconteceu em junho não foi fogo de palha, que arde intensamente, mas se apaga rápido. Foi só o começo. Junho já mudou a situação brasileira. Nada será como antes. Não há retorno para a estabilidade institucional que vingou desde o Plano Real, a estabilização da moeda e a relação social de forças que deixou os trabalhadores na defensiva. Muitos milhares descobriram que era preciso lutar. Foram muitos milhões que aprenderam que era possível vencer.


Força e limites da primeira onda

Nossas Jornadas de Junho foram marcadas tanto pela explosividade da disposição de luta, quanto pela diversidade de reivindicações e pela acefalia. O que tem causado perplexidade e preocupação legítimas. Deslumbrar-se com a força das marchas, e desconhecer suas limitações seria um erro. Enxergar com ceticismo a dimensão destas três semanas de lutas, ou seja, perceber somente suas inconsistências, também. As ações desta primeira onda de revolta estão muito à frente da consciência. Mas, o mais importante, é que estamos diante de uma explosão contagiante de protesto popular. Foi por isso que esperamos, pelo menos, nas últimas duas décadas. 

Em diferentes graus, e sob outras formas, este desenvolvimento desigual da disposição para a ação, e o grau de consciência médio entre os que lutam foi um traço comum no início de todos os grandes processos de mobilizações de massas dos últimos cem anos. Foi assim nos meses iniciais da revolução de fevereiro na Rússia de 1917, na Alemanha em novembro de 1918, nas semanas do Maio de 68 francês, ou depois do 25 de Abril em Portugal.  

Diante de acontecimentos desta grandeza estamos sempre diante do duplo perigo – simétrico - do fascínio ou da descrença. A idealização do que deveria ser um processo revolucionário não é incomum, mas é pensamento mágico, portanto, desejo. Se for confirmada uma importante adesão à greve geral convocada pelas Centrais Sindicais para o dia 11 de julho, já poderemos falar da entrada em cena do proletariado. O que confirmaria uma mudança qualitativa da situação: uma nova relação de forças entre as classes no país, muito mais desfavorável à dominação burguesa, muito mais favorável para a transformação que as ruas estão exigindo. 

A transição para uma situação pré-revolucionária 

Estamos vivendo a primeira onda de um processo revolucionário? Tudo o que aconteceu até agora sugere que estamos em uma situação transitória para uma etapa pré-revolucionária.

Revoluções são processos que ou avançam ou recuam, e atravessam uma variedade de conjunturas. As insurreições são, frequentemente, confundidas com revoluções, mas são somente o momento culminante de um processo, o momento decisivo. A maioria das situações revolucionárias foram derrotadas antes que tivesse chegado a hora em que a luta pelo poder era possível com razoáveis chances de vitória.

A relação social de forças pode ou não evoluir favoravelmente para os trabalhadores. É bom, também, lembrar, que uma situação pré-revolucionária não é o mesmo que uma situação revolucionária. A análise deve ser, portanto, prudente, porque a forma popular do levante da juventude ainda não permite avaliar o estado de espírito, o ânimo, ou seja, a disposição de luta do conjunto dos trabalhadores. A geração proletária com mais de trinta e cinco anos, que é a maioria, ainda não entrou em cena.

Mas estão presentes, uns mais maduros, outros menos, vários dos outros fatores de uma situação pré-revolucionária: (a) uma impressionante divisão e confusão na classe dominante: não se entendem sobre muita coisa, a não ser que é preciso que a política volte a ser um assunto para os seus profissionais, em outras palavras, estabilidade política. Em Brasília os últimos dez dias foram um frenesi. Cada partido tem uma opinião diferente, não se constroem consensos, o governo propôs constituinte para recuar no dia seguinte. A direção de cada um dos partidos burgueses tem, publicamente, as mais diferentes posições. Não sabem se devem ou não apoiar uma repressão ainda mais dura. Não têm a menor ideia do que fazer se a juventude não sair das ruas, e se interrogam sobre o que pode acontecer se vingar a proposta de greve geral de 11 de julho; (b) as classes médias, que são o colchão de estabilidade do regime, se deslocaram nos grandes centros urbanos, as doze cidades com pelo menos um milhão de habitantes para o apoio à juventude; (c) as grandes marchas não deixaram de sair às ruas, mesmo depois de vários ataques repressivos violentíssimos, e avança uma generalização do sentimento de profundo mal estar.

Não parece provável que a aprovação do plebiscito para uma reforma política que decidirá, por exemplo, se o voto será ou não distrital, se os suplentes de senadores devem continuar existindo ou não, ou se as coligações partidárias devem ou não ser verticalizadas, seja suficiente para acalmar as ruas. Esta não é a agenda das luta.

Na escola da luta os jovens aprenderam a votar com os pés. Descobriram que é preciso lutar e que é possível vencer. A hora é de avançar! Greve Geral 11 de Julho.                           

[1] HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. p 443-4.

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