“É preciso que eu lhes ensine que nada tenho a ensinar-lhes”
Joseph Jacotot*[1]
13/07/2013
Por que o aluno precisa do
professor para compreender o livro? Ele o tem, está à sua disposição, pode
manuseá-lo, ler, reler, refletir sobre a leitura e buscar as respostas para as
dúvidas. Entender o que está escrito depende do seu esforço e vontade. Argumenta-se
que ele não compreende por si próprio. Por que compreenderia melhor pela
explicação de outro? Por que substituir o livro pelo explicador?
Por que quem explica se torna
tão necessário, quase que imprescindível? Suponhamos que um aluno tenha interesse
pelo pensamento político filosófico de um determinado autor. Os livros estão ao
seu alcance – especialmente na atualidade com a internet. Ele poderá se
debruçar diretamente sobre os argumentos do autor. Não depende apenas do seu
interesse e esforço intelectual?
Aceitemos a hipótese de que o
professor pode atuar como um facilitador, mas sua explicação é um recorte,
expressa uma determinada visão sobre o explicado. Nenhum professor é neutro.
Seu enfoque é permeado por crenças e valores, posturas e concepção sobre o
mundo. Por outro lado, sua explicação, como a dos comentadores, não substitui a
leitura. A experiência confirma! Tive excelentes professores, mas o aprendizado
foi fragmentado. Para aprender e compreender a teoria e o pensamento político
dos autores em sua integralidade precisei ler as obras na íntegra. Só assim
tornei-me capaz de explicar! O tempo todo os livros estavam ali, mas, como
qualquer aluno, era-me suficiente os textos indicados pelos professores e a
explicação deles. Não quero ser injusto com os meus professores, mas o que eles
mais me ensinaram foram os caminhos; só aprendemos para valer na própria
caminhada. Antes, temos a ilusão de que sabemos. Professores são importantes,
mestres são fundamentais!
Hoje, tenho consciência dos
limites. Ninguém é capaz de dominar o saber em toda a sua dimensão. Ainda que
dominemos ao máximo um determinado conteúdo, há as limitações do tempo
disponível, organização e exposição. Há o limite do receptor, ou seja,
precisamos considerar o interesse, fadiga, estado de espírito, condições
físicas, além dos ruídos comuns na transmissão/recepção – um dos dilemas do
professor é que sua mensagem é interpretada individualmente e nada garante que
foi compreendida corretamente; muitas vezes, o entendido não corresponde ao
dito. Sempre há o risco de a mensagem ser distorcida. Em geral não é possível
estudar a obra do autor na íntegra e adotamos o método do corte – esquartejamos
e reduzimos ao que consideramos essencial; em vez do corpo por inteiro, damos
aos alunos pedaços recortados. Os limites dos meus professores são também os
meus.
De fato, agimos como juízes que
decretam o que é e o que não é importante explicar. Temos diante dos nossos
olhos uma obra na íntegra e decidimos o que e como estudá-la. Tanto nós quanto
nossos alunos estamos convencidos de que não há alternativa. Avaliamo-nos
mutuamente, o professor examina o aluno para verificar se ele compreendeu o
conteúdo. Por sua vez, por procedimentos formais ou informais, o discente
avalia o docente. O aluno tem a sua concepção sobre o “bom professor”, pode
elogiá-lo em uns aspectos e criticá-lo em outros. O professor é disperso, não
tem didática para explicar, não domina a oratória, etc. Não obstante, discentes
e docentes não questionam a “ordem explicadora”.[2] Qual é o fundamento dessa
“ordem”? Ela repousa sobre a hierarquia das inteligências. A palavra, porém,
está ao alcance de todos. Por que o aluno precisa do professor para
compreendê-la? Será o aluno menos inteligente, incapaz de compreender o que
está escrito, o livro que tem em suas mãos, sem a inteligência do explicador?!
Eis o mistério do método
explicador revelado:
“A explicação não é necessária
para socorrer uma incapacidade de compreender. É, ao contrário, essa
incapacidade, a ficção estruturante da concepção explicadora do mundo. É o
explicador que tem necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que
constitui o incapaz como tal. Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais
nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só. Antes de ser o ato
do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo
dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, espíritos maduros e
imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e bobos.”[3]
* Inspirado na leitura de O
mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual, obra de Jacques
Rancière ((Belo Horizonte: Autêntica, 2011).
[1] Citado em idem, p. 33.
[2] A expressão é de Jacques
Rancière, ver idem p.20-26.
[3] Idem, p. 23-24.
Fonte: Blog
do Ozaí
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