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domingo, 14 de julho de 2013

Para que professor explicador?!

“É preciso que eu lhes ensine que nada tenho a ensinar-lhes”


Joseph Jacotot*[1]
13/07/2013

Por que o aluno precisa do professor para compreender o livro? Ele o tem, está à sua disposição, pode manuseá-lo, ler, reler, refletir sobre a leitura e buscar as respostas para as dúvidas. Entender o que está escrito depende do seu esforço e vontade. Argumenta-se que ele não compreende por si próprio. Por que compreenderia melhor pela explicação de outro? Por que substituir o livro pelo explicador?

Por que quem explica se torna tão necessário, quase que imprescindível? Suponhamos que um aluno tenha interesse pelo pensamento político filosófico de um determinado autor. Os livros estão ao seu alcance – especialmente na atualidade com a internet. Ele poderá se debruçar diretamente sobre os argumentos do autor. Não depende apenas do seu interesse e esforço intelectual?

Aceitemos a hipótese de que o professor pode atuar como um facilitador, mas sua explicação é um recorte, expressa uma determinada visão sobre o explicado. Nenhum professor é neutro. Seu enfoque é permeado por crenças e valores, posturas e concepção sobre o mundo. Por outro lado, sua explicação, como a dos comentadores, não substitui a leitura. A experiência confirma! Tive excelentes professores, mas o aprendizado foi fragmentado. Para aprender e compreender a teoria e o pensamento político dos autores em sua integralidade precisei ler as obras na íntegra. Só assim tornei-me capaz de explicar! O tempo todo os livros estavam ali, mas, como qualquer aluno, era-me suficiente os textos indicados pelos professores e a explicação deles. Não quero ser injusto com os meus professores, mas o que eles mais me ensinaram foram os caminhos; só aprendemos para valer na própria caminhada. Antes, temos a ilusão de que sabemos. Professores são importantes, mestres são fundamentais!

Hoje, tenho consciência dos limites. Ninguém é capaz de dominar o saber em toda a sua dimensão. Ainda que dominemos ao máximo um determinado conteúdo, há as limitações do tempo disponível, organização e exposição. Há o limite do receptor, ou seja, precisamos considerar o interesse, fadiga, estado de espírito, condições físicas, além dos ruídos comuns na transmissão/recepção – um dos dilemas do professor é que sua mensagem é interpretada individualmente e nada garante que foi compreendida corretamente; muitas vezes, o entendido não corresponde ao dito. Sempre há o risco de a mensagem ser distorcida. Em geral não é possível estudar a obra do autor na íntegra e adotamos o método do corte – esquartejamos e reduzimos ao que consideramos essencial; em vez do corpo por inteiro, damos aos alunos pedaços recortados. Os limites dos meus professores são também os meus.

De fato, agimos como juízes que decretam o que é e o que não é importante explicar. Temos diante dos nossos olhos uma obra na íntegra e decidimos o que e como estudá-la. Tanto nós quanto nossos alunos estamos convencidos de que não há alternativa. Avaliamo-nos mutuamente, o professor examina o aluno para verificar se ele compreendeu o conteúdo. Por sua vez, por procedimentos formais ou informais, o discente avalia o docente. O aluno tem a sua concepção sobre o “bom professor”, pode elogiá-lo em uns aspectos e criticá-lo em outros. O professor é disperso, não tem didática para explicar, não domina a oratória, etc. Não obstante, discentes e docentes não questionam a “ordem explicadora”.[2] Qual é o fundamento dessa “ordem”? Ela repousa sobre a hierarquia das inteligências. A palavra, porém, está ao alcance de todos. Por que o aluno precisa do professor para compreendê-la? Será o aluno menos inteligente, incapaz de compreender o que está escrito, o livro que tem em suas mãos, sem a inteligência do explicador?!

Eis o mistério do método explicador revelado:

“A explicação não é necessária para socorrer uma incapacidade de compreender. É, ao contrário, essa incapacidade, a ficção estruturante da concepção explicadora do mundo. É o explicador que tem necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal. Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só. Antes de ser o ato do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e bobos.”[3]

* Inspirado na leitura de O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual, obra de Jacques Rancière ((Belo Horizonte: Autêntica, 2011).

[1] Citado em idem, p. 33.

[2] A expressão é de Jacques Rancière, ver idem p.20-26.

[3] Idem, p. 23-24.


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