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terça-feira, 12 de março de 2013

A defesa do marxismo por José Carlos Mariátegui


“A inteligência burguesa entretém-se numa crítica racionalista do método, da teoria e da técnica dos revolucionários. Que incompreensão! A força dos revolucionários não está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito. A emoção revolucionária, (…) uma emoção religiosa. Os motivos religiosos deslocaram-se do céu para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociais.” (Mariategui. O homem e o mito.)
A editora Boitempo apresentou ao público em fins de 2011 um livro essencial à biblioteca latino-americana e marxista. Trata-se de um clássico: Em defesa do marxismo de José Carlos Mariátegui.
Escrito entre 1928 e 29 é um dos 3 livros que Mariátegui escreveu em sua breve e profícua vida. Neste livro, articulado num conjunto de 22 ensaios, o “Amauta” comenta as obras e as idéias de Einstein, Keynes, Nietzsche, Bergson, Freud, Sorel, Lenin, Trostky entre outros. O livro tem como um ponto de partida, o debate com Henri de Man e com sua obra “Para Além do Marxismo”, que sentencia ocaso do marxismo.
Man partia do pressuposto que o marxismo é uma teoria ultrapassada que não se desenvolveu acompanhando o conhecimento científico e a filosofia social no século XX, em especial, a psicologia e a contribuição meta-filosófica de Sigmund Freud. O marxismo era uma teoria datada, presa ao seu tempo e ao racionalismo do século XIX. De igual forma, o marxismo centrara sua preocupação nos elementos técnicos, numa economia diretiva e positivista. Julgava que as preocupações e os elementos constitutivos e subjetivos do ser humano eram minimizados, reduzidos a uma sociedade planejada, tecnicista- produtiva. Man concluía assim que a economia soviética poderia ter avanços distributivos e organizados, mas seria incapaz de alcançar a alma humana e de entender o caminho para felicidade coletiva. A seu modo de ver, tratava-se não apenas de reformar o marxismo, como queria Bernstein, mas sim de superá-lo.
O debate era imperioso já que ali era questionada a essência da crítica marxiana ao capitalismo, a possibilidade ou não da superação da pré história humana.
Mariátegui ao estabelecer a polêmica trata de temas como: economia, tecnologia, direito, sociologia, literatura, religião, psicologia. A postura intelectual de Mariátegui é respeitosa em relação a Henri de Man, e tem como centro de sua argumentação a defesa do marxismo.
Sua argumentação desenvolve-se em dois vértices. O materialismo histórico como “método de interpretação da sociedade moderna” e o materialismo dialético como sistema filosófico. Através do materialismo histórico o marxismo se apresenta como ação política pela qual realiza sua crítica ao capitalismo e se estabelece como movimento. E, através do materialismo dialético, estabelece um debate teórico-filosófico com outras correntes de pensamento que possam ou não contribuir na crítica ao capitalismo.
Dessa forma, e ao contrário do que Man postulou, o marxismo apresenta-se como um “sistema” aberto, tendo claro que, enquanto sistema, estabelece a crítica como sua radicalidade e a superação do capitalismo através da revolução socialista, como seu método.
Para Mariátegui o marxismo se apresenta à sociedade e às classes despossuídas como doutrina, método de ação, “evangelho e movimento de massas”, como fé e sentimento “religioso” que apresenta a “boa nova”: a superação do capitalismo através da revolução socialista. A ação é garantida pelo método, materialismo histórico, responsável por estabelecer um programa político voltado para mobilizar a ação proletária na sociedade, enquanto a formulação teórica e filosófica determina a orientação da práxis como elaboração do materialismo dialético. Este espaço dual tem como centro o papel do Partido, articulando tanto a direção a seguir como os debates a tratar.
Cabe aqui ressaltar que na orientação Mariateguista a “doutrina e o dogma” se expressam enquanto uma “bússola”, capaz de apresentar uma direção às massas e não uma amorfa teoria que se repete. O niilismo era para Mariátegui um dos sintomas centrais do momento europeu e mundial. A grande guerra havia criado um ambiente de devastação e tristeza, que denotava duas hipóteses: ou a ruptura socialista, ou a repetição de mais desigualdade social e desesperança das pessoas, portanto, num clima de confronto entre o pessimismo rigoroso de um capitalismo em crise, e a promessa de sua superação. A doutrina expressa o norte e o sul aos movimentos e aos homens.
A doutrina devia ser assim apresentada às massas desvalidas como um horizonte, tal como os intelectuais do cristianismo no tardo romano articularam a prática e a teoria, indo do simples camponês às classes cultas do patriciado, construindo a capacidade hegemônica sobre o Estado.
Nesse momento é fundamental em Mariátegui a idéia de mito de greve geral desenvolvida por Sorel. Este a transpõe à luta de classes, revestindo-a com a argumentação de mito da revolução social. A seu ver as amplas massas se mobilizam por ideias, por grandes trabalhos que se apresentam como uma “fé”. A fé que o movimento comunista deveria introjetar nas massas era a de que a angústia e a alienação reinante no capitalismo só poderiam ser superadas pelo socialismo. Se o povo e o proletariado não tivessem fé nessa alternativa de nada adiantaria o esforço teórico. Ao seu tempo, essa mesma fé não pode ser um culto ao espontâneo, ao movimento despossuído de conhecimento. Aqui a realização da teoria ganha relevo, uma vez que sem o entendimento da dinâmica do capitalismo e das novas ações engendradas por este, os movimentos sociais ao invés de se contrapor, poderiam servir, in démarche como sua reprodução metabólica.
A visão leniniana de Mariátegui reserva ao Partido Revolucionário o ponto de encontro entre teoria e prática, entre o dogma e filosofia, entre fé e ciência. É, portanto: o intelectual coletivo e o início e fim da ação política.
Um processo revolucionário são as dores de um parto, tradução do fim de instituições de um sistema e a transição (e construção de novas instituições) para um novo sistema. Esse processo não é linear e nem simples. O pensamento de Man é compreendido em Mariátegui como parte do radicalismo pequeno burguês, humanista, que havia se aproximado da Revolução Socialista Soviética através de uma visão utópica. Mas que era incapaz de perceber o dinamismo e tensões que se faziam presentes no movimento e processos revolucionários. Henri de Man se aproximou do socialismo pela porta das modas e pela mesma porta se distanciou, como aliás pode ser visto em outros processos, como o cubano ou nicaraguense, onde de igual maneira pessoas se aproximam, conforme a força das emoções espontâneas e desenham seus sonhos idílicos, e se afastam, conforme os problemas econômicos, sociais e políticos vão construindo uma muralha real que exige respostas duras a uma dura realidade. Com isso o sonho idílico e pacífico vai se esvaindo no horizonte da decepção.
Mas além da perda de encanto que a realidade traz às utopias, há no debate de Mariátegui todo um potencial político a ser pensado para os dias de hoje.
Para terminar essa pequena resenha cabe dizer que o livro, um clássico, foi traduzido e organizado por Yuri Martins Fontes, que fez um cuidadoso trabalho lendo e pesquisando as fontes citadas e com uma bela apresentação contextualizada à altura da obra. Nas orelhas, Carlos Nelson Coutinho, lembra-nos da proximidade (e inquietude) intelectual de Mariátegui com as obras de Lukacs, Kosh, Gramsci e Benjamin, como parte da atmosfera crítica da década de 1920 e, por fim, um glossário onomástico e uma pequena cronologia da vida e da obra de José Carlos Mariátegui.
Referências bibliográficas
FORNET-BETANCOURT, Raúl (1995) O Marxismo na América Latina. São Leopoldo,: UNISINOS, 1995.
MARIÁTEGUI, José Carlos. Em defesa do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2011.

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