Valerio Arcary*
Não deixes que as tuas lembranças pesem
mais do que as tuas esperanças.
Sabedoria popular persa
Cuanto más fuertes los vientos, entonces más fuertes los árboles.
Sabedoria popular argentina
Sinto-me muito otimista sobre o
futuro do pessimismo.
Jean Rostand
Resumo
A
hipótese deste artigo é que as condições objetivas de uma situação
revolucionária começam a amadurecer, pelo menos, naqueles países que estão hoje
mais frágeis diante das sequelas devastadoras da crise, como a Grécia, Portugal
e Espanha. O impacto da crises econômicas, em certas condições políticas, pode
repercutir na forma de crises sociais agudas, e estas podem evoluir para
situações revolucionárias, quando uma sociedade mergulha na vertigem da
decadência histórica. O argumento que procuraremos expor, inspirados pelos
escritos de Leon Trotsky, é que a imaturidade subjetiva da classe trabalhadora,
ou seja, a sua dificuldade de erguer e controlar organizações independentes,
permanece sendo o principal fator de explicação de porque uma situação
revolucionária ainda não se precipitou.
Palavras chaves
Trotsky;
crise econômica; revolução; onda revolucionária.
A relação de causalidade entre crises
econômicas e revolução é controversa, porque as crises foram condição
necessária, mas não suficiente para a abertura de situações revolucionárias. Nos
últimos cem anos aconteceram muito mais crises do que situações
revolucionárias. As crises capitalistas ocorreram em frequência regular e, por
isso, foram formuladas várias teorias, umas marxistas, outras não, para
explicar o padrão do ciclo econômico industrial.
Em contrapartida, não foi possível
elaborar um esquema teórico para aferir a periodicidade de revoluções. Sabemos
que quando uma situação revolucionária se abre em um país, a probabilidade de
que ela se extenda aos países vizinhos que atravessam circunstâncias
semelhantes, na forma de uma onda de contágio, é grande. É o que ficou
conhecido como o “efeito dominó”. Em 2011, a revolução na Tunísia
transformou-se em uma onda regional pelo Oriente Médio e atingiu, na sequência,
o Egito, o Bahrein, o Iemen, a Líbia e a Síria, derrubando ou fazendo tremer
ditaduras militares no poder por décadas. No início da década passada, entre
2001 e 2005, Argentina, Equador e Bolívia, viveram situações revolucionárias e
seus governos foram derrubados como consequência de greves gerais e
semi-insurreições, enquanto na Venezuela, pela primeira vez na América Latina,
um golpe de Estado foi derrotado.
No século XX, cinco ondas
revolucionárias definiram em grande medida os destinos políticos de sua história.
Situações revolucionárias não são sinônimo de revoluções vitoriosas. Uma
situação revolucionária está aberta quando estão reunidas as condições para que
uma revolução seja possível. Uma situação revolucionária pode ser revertida
antes que seja possível uma insurreição. Revoluções políticas podem ser
vitoriosas ou derrotadas, mas antes do seu desenlace existiu uma situação
revolucionária. Por outro lado, todas as revoluções se iniciaram como
revoluções políticas, porém, só excepcionalmente radicalizaram-se em revoluções
sociais anticapitalistas. O padrão das ondas revolucionárias foi pelo menos
regional, às vezes semi-continental, contudo, a tendência histórica sugere que
a revolução política e social da época contemporânea é um fenômeno que deve ser
analisado na sua dimensão mundial, ainda que com refrações nacionais desiguais.
Esta elaboração foi proposta, originalmente, por Leon Trotsky, e é um dos
fundamentos da teoria da revolução permanente.
Duas ondas precipitaram-se ao final das
duas grandes guerras mundiais do século passado, atingindo os países
derrotados, ou alguns daqueles sob ocupação estrangeira: a primeira com
epicentro na Rússia, deslocando-se para Hungria, Áustria, Alemanha, e quase
incendiando a Itália; e a segunda com epicentro na Itália e Balcãs, atingindo
França, Grécia, Yugoslávia e Albânia. Uma onda abriu-se após a crise de 1929 e
culminou com a derrota da revolução espanhola, quatro anos depois da ascensão
do nazismo ao poder em Berlim. Uma quarta onda revolucionária abriu-se com o
Maio de 1968 na França, e culminou com a revolução portuguesa de 1974/75, e
teve como fator objetivo chave a combinação das derrotas militares destes
Impérios coloniais, na Argélia e na África subasaariana, com as sequelas da
crise econômica pós-1967/69. A última e menos compreendida onda revolucionária
do século XX, entre 1989/91, foi exterior ao domínio direto do capital sobre o
mercado mundial. Seu centro foi a Leste europeu e a ex-URSS.
Demonstrou-se quase impossível prever, todavia,
sem enormes margens de erro, aonde vai se abrir a próxima situação
revolucionária. Se a situação política no Mediterrâneo viesse a se desenvolver
nessa direção, o que é ainda incerto, as possibilidades de uma extensão à
França e Itália seriam enormes, com consequências internacionais hoje
inimagináveis. Pela primeira vez desde meados dos anos setenta, há quase
quarenta anos de distância, este cenário se desenha, potencialmente, no
horizonte. As condições objetivas são somente uma parte das condições necessárias.
São as condições subjetivas, ainda imaturas, que poderiam alterar a relação de
forças de forma qualitativa.
Mas há razões para alimentarmos um
maior otimismo diante da situação internacional aberta pela crise de 2008. A
principal é que começaram a colocar-se em movimento alguns dos proletariados
mais importantes do mundo.
Um otimismo inquieto
Aqueles que são associados ao legado
de Leon Trotsky ficaram conhecidos pelo seu otimismo inquieto sobre o futuro do
projeto socialista. Para ser justo, em algumas situações mais esperançosos, e
em outras mais angustiados. Na verdade, a tradição comum de todas as principais
correntes do movimento operário, desde o final do século XIX, foi a combinação
de um irredutível pessimismo sobre o futuro do capitalismo, com um robusto
otimismo sobre o futuro da luta dos trabalhadores. Essa convicção atravessou
gerações. Por quê a confiança, e por quê a preocupação?
A confiança repousava na percepção de
que os interesses do proletariado coincidiam com os da maioria da população.
Ser porta-voz dos interesses da maioria colocou os socialistas em uma condição
de grande legitimidade para defender a luta contra o capital, portanto, contra
a propriedade privada, que é o estatuto legal que protege o capitalismo. A
preocupação se renovava na medida em que foram ficando claras as dificuldades
dos trabalhadores de se libertarem da influência das ideologias e dos partidos
das outras classes da sociedade, em especial, dos partidos burgueses.
Não obstante essa herança, sempre
existiu entre os marxistas uma outra opinião, muito diferente, distinta, quase
oposta. A daqueles que afirmavam que otimismo ou o pessimismo seriam atitudes
ou posturas ingênuas, até sentimentais, quase como diferenças de estilo, de
inclinação psicológica, ou de maneiras pessoais. O marxismo acadêmico,
sobretudo na segunda metade do século XX, sob a hegemonia da socialdemocracia e
do estalinismo sobre os movimentos operários europeus, sentiu-se atraído pela
melancolia existencial, consumido pelo desânimo ideológico, debilitado pela
nostalgia programática, abatido pela frustração política. [1]
O socialismo, para os marxistas, sempre
foi, por suposto, uma luta cercada pela incerteza, uma esperança suspensa no
tempo, uma aposta no futuro, uma disputa pela história, portanto, uma
associação de uma análise da realidade do presente mediada pelo rigor da
ciência, com uma expectativa utópica, uma espera temperada pelo ardor revolucionário.
Se não se dominar o método, não se elaborará projeto. Se não se procurar a
cultura, não se acumulará discernimento. Se não se construir disciplina, não
poderá haver prudência. No entanto, onde não há esperança, não se tecerá determinação,
onde não há paixão não se forjará disposição, onde não se emula o entusiasmo
não haverá entrega.
Foi Gramsci quem cunhou a célebre
máxima: “pessimismo da inteligência,
otimismo da vontade”. Uma análise crítica não precisa ser menos apaixonada,
mas a força do desejo não deve cegar a razão. Rosa Luxemburgo deixou como
reflexão a idéia de que o caminho do proletariado estaria repleto de derrotas
parciais, que culminariam na vitória final, a luta pelo poder. A experiência
histórica do século XX demonstrou que a dialética de vitórias e derrotas
poderia mais complicada do que Rosa tinha antecipado.
É
verdade que se confirmou que as derrotas parciais podem abrir o caminho para
vitórias históricas, no entanto, vitórias podem ser, também, a antesala de derrotas. Estes conceitos não
são absolutos, são relativos. O triufo político-social que significou, há cem
anos atrás, a existência de sindicatos e partidos na legalidade (a redução da
jornada de trabalho, ou a legislação social do salário-mínimo), alimentou
gigantescas burocracias sindicais e partidárias que culminaram com a
degeneração da socialdemocracia européia.
O triunfo de cada revolução foi uma
vitória histórica nacional, porém, à escala internacional, foram somente
vitórias parciais. Revoluções políticas foram vitoriosas em todos os
continentes, mas a maioria delas não se transformou em revoluções sociais. As
revoluções sociais que foram além dos limites do capitalismo logo encontraram
obstáculos objetivos e subjetivos. Desenvolveram-se contra-revoluções
políticas, o estalinismo na URSS, que abriria o caminho para a restauração
capitalista, verificada muitas décadas depois.
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