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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Trotsky e as crises econômicas do capitalismo: uma análise em perspectiva histórica


Valerio Arcary*

Não deixes que as tuas lembranças pesem
 mais do que as tuas esperanças.
 Sabedoria popular persa

                                                               Cuanto más fuertes los vientos, entonces más fuertes los árboles.
 Sabedoria popular argentina

                                                                               Sinto-me muito otimista sobre o futuro do pessimismo.                                                                                                                                                 Jean Rostand

Resumo       
A hipótese deste artigo é que as condições objetivas de uma situação revolucionária começam a amadurecer, pelo menos, naqueles países que estão hoje mais frágeis diante das sequelas devastadoras da crise, como a Grécia, Portugal e Espanha. O impacto da crises econômicas, em certas condições políticas, pode repercutir na forma de crises sociais agudas, e estas podem evoluir para situações revolucionárias, quando uma sociedade mergulha na vertigem da decadência histórica. O argumento que procuraremos expor, inspirados pelos escritos de Leon Trotsky, é que a imaturidade subjetiva da classe trabalhadora, ou seja, a sua dificuldade de erguer e controlar organizações independentes, permanece sendo o principal fator de explicação de porque uma situação revolucionária ainda não se precipitou.

Palavras chaves
Trotsky; crise econômica; revolução; onda revolucionária.
        A relação de causalidade entre crises econômicas e revolução é controversa, porque as crises foram condição necessária, mas não suficiente para a abertura de situações revolucionárias. Nos últimos cem anos aconteceram muito mais crises do que situações revolucionárias. As crises capitalistas ocorreram em frequência regular e, por isso, foram formuladas várias teorias, umas marxistas, outras não, para explicar o padrão do ciclo econômico industrial.
         Em contrapartida, não foi possível elaborar um esquema teórico para aferir a periodicidade de revoluções. Sabemos que quando uma situação revolucionária se abre em um país, a probabilidade de que ela se extenda aos países vizinhos que atravessam circunstâncias semelhantes, na forma de uma onda de contágio, é grande. É o que ficou conhecido como o “efeito dominó”. Em 2011, a revolução na Tunísia transformou-se em uma onda regional pelo Oriente Médio e atingiu, na sequência, o Egito, o Bahrein, o Iemen, a Líbia e a Síria, derrubando ou fazendo tremer ditaduras militares no poder por décadas. No início da década passada, entre 2001 e 2005, Argentina, Equador e Bolívia, viveram situações revolucionárias e seus governos foram derrubados como consequência de greves gerais e semi-insurreições, enquanto na Venezuela, pela primeira vez na América Latina, um golpe de Estado foi derrotado. 
       No século XX, cinco ondas revolucionárias definiram em grande medida os destinos políticos de sua história. Situações revolucionárias não são sinônimo de revoluções vitoriosas. Uma situação revolucionária está aberta quando estão reunidas as condições para que uma revolução seja possível. Uma situação revolucionária pode ser revertida antes que seja possível uma insurreição. Revoluções políticas podem ser vitoriosas ou derrotadas, mas antes do seu desenlace existiu uma situação revolucionária. Por outro lado, todas as revoluções se iniciaram como revoluções políticas, porém, só excepcionalmente radicalizaram-se em revoluções sociais anticapitalistas. O padrão das ondas revolucionárias foi pelo menos regional, às vezes semi-continental, contudo, a tendência histórica sugere que a revolução política e social da época contemporânea é um fenômeno que deve ser analisado na sua dimensão mundial, ainda que com refrações nacionais desiguais. Esta elaboração foi proposta, originalmente, por Leon Trotsky, e é um dos fundamentos da teoria da revolução permanente.
      Duas ondas precipitaram-se ao final das duas grandes guerras mundiais do século passado, atingindo os países derrotados, ou alguns daqueles sob ocupação estrangeira: a primeira com epicentro na Rússia, deslocando-se para Hungria, Áustria, Alemanha, e quase incendiando a Itália; e a segunda com epicentro na Itália e Balcãs, atingindo França, Grécia, Yugoslávia e Albânia. Uma onda abriu-se após a crise de 1929 e culminou com a derrota da revolução espanhola, quatro anos depois da ascensão do nazismo ao poder em Berlim. Uma quarta onda revolucionária abriu-se com o Maio de 1968 na França, e culminou com a revolução portuguesa de 1974/75, e teve como fator objetivo chave a combinação das derrotas militares destes Impérios coloniais, na Argélia e na África subasaariana, com as sequelas da crise econômica pós-1967/69. A última e menos compreendida onda revolucionária do século XX, entre 1989/91, foi exterior ao domínio direto do capital sobre o mercado mundial. Seu centro foi a Leste europeu e a ex-URSS.
        Demonstrou-se quase impossível prever, todavia, sem enormes margens de erro, aonde vai se abrir a próxima situação revolucionária. Se a situação política no Mediterrâneo viesse a se desenvolver nessa direção, o que é ainda incerto, as possibilidades de uma extensão à França e Itália seriam enormes, com consequências internacionais hoje inimagináveis. Pela primeira vez desde meados dos anos setenta, há quase quarenta anos de distância, este cenário se desenha, potencialmente, no horizonte. As condições objetivas são somente uma parte das condições necessárias. São as condições subjetivas, ainda imaturas, que poderiam alterar a relação de forças de forma qualitativa.
         Mas há razões para alimentarmos um maior otimismo diante da situação internacional aberta pela crise de 2008. A principal é que começaram a colocar-se em movimento alguns dos proletariados mais importantes do mundo.  

Um otimismo inquieto
         Aqueles que são associados ao legado de Leon Trotsky ficaram conhecidos pelo seu otimismo inquieto sobre o futuro do projeto socialista. Para ser justo, em algumas situações mais esperançosos, e em outras mais angustiados. Na verdade, a tradição comum de todas as principais correntes do movimento operário, desde o final do século XIX, foi a combinação de um irredutível pessimismo sobre o futuro do capitalismo, com um robusto otimismo sobre o futuro da luta dos trabalhadores. Essa convicção atravessou gerações. Por quê a confiança, e por quê a preocupação?
       A confiança repousava na percepção de que os interesses do proletariado coincidiam com os da maioria da população. Ser porta-voz dos interesses da maioria colocou os socialistas em uma condição de grande legitimidade para defender a luta contra o capital, portanto, contra a propriedade privada, que é o estatuto legal que protege o capitalismo. A preocupação se renovava na medida em que foram ficando claras as dificuldades dos trabalhadores de se libertarem da influência das ideologias e dos partidos das outras classes da sociedade, em especial, dos partidos burgueses.
        Não obstante essa herança, sempre existiu entre os marxistas uma outra opinião, muito diferente, distinta, quase oposta. A daqueles que afirmavam que otimismo ou o pessimismo seriam atitudes ou posturas ingênuas, até sentimentais, quase como diferenças de estilo, de inclinação psicológica, ou de maneiras pessoais. O marxismo acadêmico, sobretudo na segunda metade do século XX, sob a hegemonia da socialdemocracia e do estalinismo sobre os movimentos operários europeus, sentiu-se atraído pela melancolia existencial, consumido pelo desânimo ideológico, debilitado pela nostalgia programática, abatido pela frustração política. [1]
      O socialismo, para os marxistas, sempre foi, por suposto, uma luta cercada pela incerteza, uma esperança suspensa no tempo, uma aposta no futuro, uma disputa pela história, portanto, uma associação de uma análise da realidade do presente mediada pelo rigor da ciência, com uma expectativa utópica, uma espera temperada pelo ardor revolucionário. Se não se dominar o método, não se elaborará projeto. Se não se procurar a cultura, não se acumulará discernimento. Se não se construir disciplina, não poderá haver prudência. No entanto, onde não há esperança, não se tecerá determinação, onde não há paixão não se forjará disposição, onde não se emula o entusiasmo não haverá entrega.
         Foi Gramsci quem cunhou a célebre máxima: “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”. Uma análise crítica não precisa ser menos apaixonada, mas a força do desejo não deve cegar a razão. Rosa Luxemburgo deixou como reflexão a idéia de que o caminho do proletariado estaria repleto de derrotas parciais, que culminariam na vitória final, a luta pelo poder. A experiência histórica do século XX demonstrou que a dialética de vitórias e derrotas poderia mais complicada do que Rosa tinha antecipado.
         É verdade que se confirmou que as derrotas parciais podem abrir o caminho para vitórias históricas, no entanto, vitórias podem ser, também,  a antesala de derrotas. Estes conceitos não são absolutos, são relativos. O triufo político-social que significou, há cem anos atrás, a existência de sindicatos e partidos na legalidade (a redução da jornada de trabalho, ou a legislação social do salário-mínimo), alimentou gigantescas burocracias sindicais e partidárias que culminaram com a degeneração da socialdemocracia européia.
         O triunfo de cada revolução foi uma vitória histórica nacional, porém, à escala internacional, foram somente vitórias parciais. Revoluções políticas foram vitoriosas em todos os continentes, mas a maioria delas não se transformou em revoluções sociais. As revoluções sociais que foram além dos limites do capitalismo logo encontraram obstáculos objetivos e subjetivos. Desenvolveram-se contra-revoluções políticas, o estalinismo na URSS, que abriria o caminho para a restauração capitalista, verificada muitas décadas depois.

Para ler o artigo por inteiro, clicar Aqui.

[1] ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. Lisboa, Afrontamento ,1976. p. 23)

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