As UPPs já foram criadas sob a proposta de Parcerias Público-Privadas, tendo como um dos principais investidores o Grupo EBX, do empresário Eike Batista. Além desse, são investidores: Coca-Cola, Bradesco Seguros, Souza Cruz, Light, Metrô e Confederação Brasileira de Futebol, conforme verificou a pesquisa da estudiosa do tema e bacharel em Direito, Andressa Somogy de Oliveira
28/11/2013
Lívia de Cássia Godoi Moraes
No sítio oficial das Unidades
de Polícia Pacificadoras (UPPs) do estado do Rio de Janeiro é possível
encontrar a justificativa de que elas foram criadas para “fins de segurança,
cidadania e inclusão social”. O programa das UPPs engloba parceria entre os
governos municipal, estadual e federal, além de diferentes atores da sociedade
civil, inclusive empresas privadas. Segundo informações da página, “a
prioridade do governo é a preservação de vidas e liberdades dos moradores”.
O que é possível observar,
principalmente após o “desaparecimento” do trabalhador Amarildo de Souza, em 14
de julho deste ano, na favela da Rocinha, é o reverso do objetivo explicitado:
cresceu o clima de insegurança, suscitando o recrudescimentoda criminalização
da pobreza.
A apuração do caso “Amarildo”
pelo Ministério Público chegou à conclusão de que 25 policiais militaresda UPP
da Rocinha envolveram-se na tortura e morte do pedreiro, cujo corpo ainda não
foi encontrado. Gritos e pedidos de socorro foram ouvidos por cerca de 40
minutos, segundo testemunhas, vindos de um contêiner localizado atrás da base
da UPP. Além de ter recebido choques elétricos, Amarildo teria sido afogado em
um balde e sufocado com saco plástico na boca e na cabeça. As manchas de sangue
do local teriam sido apagadas com óleo de cozinha.
Infelizmente, o desparecimento
de Amarildo não é caso isolado nas UPPs do Rio de Janeiro. Em publicaçãodo
Instituto de Segurança Pública (ISP), em 18 UPPs inauguradas até 2011,
atestou-se que houve queda de homicídios, porém aumento dos desaparecimentos de
moradores. Antes da inauguração das UPPs, o número de desaparecidos era de 85.
Os dados de 2011 já constatavam 133.
Claramente o recrudescimento da
violência policial no Brasil acompanha uma crise de legitimidade Estatal, que,
em contexto de avanço de privatizações, desregulamentações, financeirização,
com impacto direto sobre as políticas sociais públicas, fez crescer a
segregação e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Em nome da
manutenção da ordem, a “guerra” contra o crime foi implementada e reforçada
pela hiperexposição das tragédias, especialmente nas programações da grande
mídia espetaculosa.
O medo e a insegurança
generalizados fizeram ratificar autoritarismos inadmissíveis em qualquer Estado
democrático de direito. A criminalização da pobreza tem servido pararesponder
ao excedente de miséria que as políticas sociais públicas já não mais abrangem.
Não abrangem porque há
prioridades políticas e financeiras por parte do governo. Em carta aberta para
a presidente Dilma Rousseff (PT) de 14 de agosto, a Auditoria Cidadã da Dívida
apresentou os seguintes dados: o orçamento geral da União executado em 2012 foi
de R$ 1,712 trilhão.Desse total, 43,98% foram gastos com juros e amortizações
da dívida, representando quase metade do orçamento no ano anterior. Em
contrapartida, em educação, saúde e previdência social, foram gastos
respectivamente 3,34%, 4,17% e 22,47%. O desembolso do BNDES em 2012 foi de 156
milhões de reais, 12% a mais que o ano anterior, sendo que grande parte desse
montante foi para empresas de capital aberto.
Como podemos observar, a
relação entre Estado e mundo financeiro tem sido bastante priorizada em
detrimento das políticas sociais que dariam condições mínimas de vida às
classes subalternas.
A grande novidade apareceu nos
noticiários do último dia 01 de novembro: o anúncio, por parte da presidente do
Instituto Pereira Passos (IPP), Eduarda La Rocque, do lançamento para o
primeiro semestre de 2014 do Fundo de Investimentos em Participações das UPPs
(FIP-UPP).O objetivo, segundo La Rocque, é organizar uma carteira de
investimentos sociais em comunidades pacificadas e não pacificadas do Rio e
oferecer as cotas do fundo a investidores brasileiros e estrangeiros.
As UPPs já foram criadas sob a
proposta de Parcerias Público-Privadas, tendo como um dos principais
investidores o Grupo EBX, do empresário Eike Batista. Além desse, são
investidores: Coca-Cola, Bradesco Seguros, Souza Cruz, Light, Metrô e
Confederação Brasileira de Futebol, conforme verificou a pesquisa da estudiosa
do tema e bacharel em Direito, Andressa Somogy de Oliveira[1]. Entretanto, em
agosto deste ano o convênio de R$ 20 milhões anuais do Grupo EBX foi rompido. O
que coincide com a urgência na criação dos fundos de investimento.
Os recursos sob administração
de FIPs, segundo informações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), são
destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros
títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão
de companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da
companhia investida. Ou seja, o fundo pode ter efetiva influência na definição
de política estratégica e de gestão com indicação de membros para o Conselho de
Administração onde tenha participação. Não à toa, a notícia publicada em “O
Valor” diz que os interessados são pessoas bem nascidas ou bem sucedidas, e
empresas que buscam ações filantrópicas.
É de conhecimento amplo que
responsabilidade social e responsabilidade ambiental são fatores de enorme
relevância tanto para se conseguir recursos emprestados do BNDES quanto para
ter as ações de suas empresas valorizadas nas bolsas de valores. Ou seja, é
ratificado o fato de que o objetivo primordial e determinante é, na maioria dos
casos, financeiro e não social.
La Rocque também coordena a UPP
Social, que tem como objetivo mobilizar e articular políticas e serviços
municipais nesses territórios “pacificados”. Ela afirma que desde que começou a
trabalhar na UPP Social, recebe ligações de pessoas e empresas interessadas em
“investir no Rio de Janeiro e no processo de inserção dessas comunidades no
contexto da cidade”.
As UPPs não podem ser pensadas
de forma desvinculada dos Megaventos a serem realizados nos próximos anos no
Brasil, especialmente a Copa do Mundo de Futebol de 2014. Os interesses dos
investimentos financeiros via FIPs nessas áreas partem dessa mesma motivação. A
grande questão que fica é: qual vai ser o critério de eficiência e o chamariz
para a valorização desses fundos de investimentos no mundo da especulação?
Exatamente quando moradores de
favelas, das periferias e movimentos sociais pedem pela desmilitarização da
polícia, os “bem nascidos”, bem sucedidos e empresários vão especular sobre a
violência, a morte e o massacre dos direitos dessa população que já é segregada
e criminalizada cotidianamente. A indagação é necessária: qual a cotaçãoda
miséria e dador na bolsa de valores?
Lívia de Cássia Godoi Moraes –
Professora de Sociologia e Antropologia na UNESP/Franca.
Fonte: Brasil de
Fato
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