Antonio Ozaí da Silva
07/04/2012
Pode haver amizade entre o(a)
professor(a) e os(as) alunos(as)? Se a amizade pressupõe igualdade, ela não tem
espaço onde as relações humanas se pautam por relações de poder. A autoridade
do professor pode ser exercida democrática ou autoritariamente, mas não deixa
de expressar relação de poder. Ambos, professores e alunos, de certa forma,
representam papéis diferentes. Como escreve Vernant (2002, P. 31)*:
“Um professor age como um ator
quando chega numa sala de aula. Mas existem diferentes formas de atuar. Podemos
bater na mesa e mostrar toda a distância que separa alunos do professor.
Podemos jogar o jogo contrário, e foi o que fiz quando dei aulas no colégio:
não só sendo informal com os alunos, mas procurando abolir, até nas roupas e no
vocabulário, qualquer indício de autoridade conferida por uma hierarquia
social. Evidentemente, o professor sabe muito bem, seja qual for a estratégia
que adotar, que não é a mesma coisa ser professor e ser aluno.”
O aluno também tem plena
consciência da realidade que o interpõe ao professor. Ele joga o jogo e pode
vislumbrar na postura do professor uma simples manifestação demagógica – como
também pode se convencer, simplesmente, de que o professor é um tolo. Faz parte
da sua estratégia de sobrevivência diante das regras sociais e burocráticas. É
compreensível. Por mais que o professor se mostre democrático e amigo, ambos,
ele e o aluno, sabem que: “Aquele que está sentado em sua carteira e aquele que
se encontra atrás da mesa não possuem o mesmo estatuto. A estratégia da
não-distância pode ser muito eficiente ou, ao contrário, conduzir aquele que a
usa para a catástrofe” (p. 31-32).
Professor e aluno expressam uma
relação social. Contudo, a representação democrática implica a idéia de que
ambos compartilham do mesmo grupo, constituem uma comunidade. Neste sentido, é
possível estabelecer um jogo que questione a hierarquia socialmente definida.
Para Vernant, não se trata apenas de uma habilidade, mas de “uma estética, e de
uma ética da relação social” (p. 32). O professor ético não tenta iludir seu
aluno, até porque este sabe que o poder burocrático-institucional legitima a
função professoral.
“É preciso começar por deixar
de ser professor para poder sê-lo”, afirma Vernant. Mas é possível ao professor
deixar de sê-lo, abdicar do seu papel e mesmo do seu poder? E ainda que o faça
não soará como falso ao seu aluno? A amizade implica um cimento que une os
iguais em suas diferenças e permite a constituição da comunidade. A idéia de
que professores e alunos constituem uma comunidade, um grupo, indica que,
apesar do jogo de poder, eles são cúmplices:
“Esse elemento fundamental é o
sentimento de cumplicidade, de uma comunidade essencial sobre as coisas mais
importantes. Na relação do professor com seus alunos, é o fato de compartilhar
uma certa imagem do que deve ser uma pessoa, de ter em comum uma forma de
sensibilidade e de abertura para o outro, de concordar com a ideia de que ser
outro significa também ser semelhante” (Id.).
É preciso anular a distância
que separa professores e alunos, mas é possível? Não se pode ser
simultaneamente professor e aluno. Também não se deve perder de vista que “as
estratégias igualitárias têm um aspecto hipócrita, demagógico, e podem na
verdade reforçar as posições de poder” (Id.). E os limites entre o democrático
e demagógico são tênues. Porém, se o ser professor indicar uma atitude fundada
em algo mais forte do que a relação de poder. Ou seja, se há ética na relação
social e a compreensão de que professor e aluno constituem uma comunidade,
então é possível diminuir a distância que os separa e fortalecer a relação
fundada no sentimento de amizade. Este sentimento não indica harmonia, mas
pertencimento à mesma comunidade. Ao pautarmos a relação por esta ética e
sentimento, a amizade nos transforma. Assim, se o professor demonstra amor pelo
que faz e respeito aos seus alunos, maior será a possibilidade destes se verem
numa relação social formadora de uma comunidade cimentada por laços de
solidariedade.
A amizade “sempre implica
afinidades relativas às coisas essenciais” (p. 33). Trata-se de colocar em
destaque o que é fundamental na relação professor-aluno para que eles se
reconheçam enquanto um grupo constituído, uma comunidade. Pois a amizade também
implica em que os diferentes compartilhem para que possam criar algo juntos.
Nesta relação, o professor se constrói e também aos seus alunos: na medida em
que está aberto ao outro, este outro se reflete nele e ele se transforma; mas,
simultaneamente, transforma o outro. Nessa interação, que é conflitante e
contraditória, a amizade torna-se possível.
E você, caro(a) leitor(a),
considera possível a amizade entre professores e alunos? Como avalia os
argumentos expostos acima?
* Esta reflexão resulta de
notas de leitura da obra Entre Mito e Política, de Jean-Pierre VERNANT (São
Paulo: Edusp, 2002). Todas as citações se referem a este livro.
Fonte: Blog
do Ozaí
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