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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Histórias da ditadura que escola não contava

Cartaz de procurados pelo regime é um dos
materiais oferecidos às escolas em projeto da
 UFRJ Terceiro / Reprodução

Projetos criam acervo e material didático para enriquecer aulas sobre os anos de chumbo


Evandro Éboli (Email)
Publicado: 9/11/13

BRASÍLIA - As lições sobre a ditadura militar nas escolas de educação básica não estão mais restritas a simples descrição cronológica ou burocrática do período. Iniciativas do governo e de pesquisadores estão colocando à disposição de professores e estudantes material didático mais próximo do que ocorreu nos porões da ditadura, como relatos de perseguidos políticos, detalhamentos de tortura, ação da censura e documentos produzidos pelos serviços de informações da época.

Na UFRJ, por exemplo, foram criados o Núcleo de Pesquisa, História e Ensino das Ditaduras e o projeto Marcas da Memória, com produção de material pedagógico e organização de oficinas para ministrar o conteúdo.

Do lado do governo, a Comissão de Anistia e a Secretaria de Direitos Humanos disponibilizam e distribuem seu acervo, como série de depoimentos de ex-perseguidos políticos e filmes. Num dos materiais da comissão — o livreto “Liberdades democráticas” — há capítulos com “o que foi a ditadura militar”, como agia e resumos de biografias de Lamarca, Marighella e Frei Tito, com dicas de livros e filmes.

As historiadoras da UFRJ não dizem que os atuais livros didáticos omitem a ditadura e suas mazelas, mas os criticam por apresentar o material de maneira cronológica e sem profundidade.

— Os novos livros abordam o tema, mas não têm visão global da ditadura. Os temas não dialogam entre si. Parece que não é um governo só, que são vários e sucessivos, quando se sabe que foram 21 anos de ditadura. E a luta armada sempre entra num quadrinho a parte, como se não tivesse relação. O que constatamos até agora é que há uma sede dos professores por material didático sobre o assunto — diz a pesquisadora Samantha Quadrat, que participa dos projetos da UFRJ.

Livros tratam período de forma pouco analítica


A historiadora Alessandra Carvalho, do Colégio de Aplicação da UFRJ, diz que os livros de História dão bom espaço para o período dos governos militares, mas sempre numa perspectiva mais descritiva do que analítica.

— Aparece assim: primeiro veio o governo Castelo Branco, depois o AI-1, o AI-2 e por aí vai. Até aparece a luta armada e o pós-AI-5, mas numa ordem cronológica direta, o que fica extenso para o aluno e difícil de perceber o eixo de explicação que organize essa cronologia. O ideal seria relacionar passado e presente. Houve uma Lei de Anistia, referendada pelo STF, mas contestada, a defesa de punição para torturadores, os julgamentos na Comissão de Anistia. Agora, a Comissão da Verdade. Tem muito mais a ser contado — disse Alessandra Carvalho.

Samantha Quadrat e Alessandra Carvalho vão ministrar uma oficina neste mês num seminário sobre o ensino da ditadura nas escolas. No material didático que apresentarão aos professores estão, entre outros, um cartaz distribuído pelos órgãos da repressão e informação sobre perseguidos políticos e cartas enviadas por cidadãos brasileiros à Divisão de Censura de Diversões Públicas, muitas endereçadas diretamente ao presidente Ernesto Geisel, sobre os mais variados assuntos. As autoridades do governo respondiam.

Nesse seminário será apresentado ainda um livro para subsidiar professores — “O Ensino da Ditadura Militar Nas Escolas: problemas e propostas de trabalho”. As pesquisadoras responsáveis por esse projeto também dão atenção a história oral da ditadura e já colheram 44 entrevistas de ex-perseguidos políticos e de parentes de vítimas e desaparecidos pelos agentes do Estado.

Esses vídeos e áudios estarão disponíveis no acervo da universidade e na Comissão de Anistia. E serão disponibilizados para professores e estudantes. As organizadoras são as pesquisadoras Maria Paula Araújo, Desirree dos Reis Santos e Izabel Pimentel. A Comissão de Anistia encomenda projetos para universidades, como o “Marcas da Memória”.

— É uma temática sensível, mas questões de direitos humanos chamam a atenção dos jovens. Diante de temas como a tortura e outras violações daquela época ninguém fica passivo — contou Izabel Pimenta, pesquisadora da UFF.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, promove, na sua gestão, essas iniciativas de levar o conteúdo sobre o regime militar aos estudantes.

— Penso que o ensino da História deve se apropriar da memória conquistada nestes 25 anos de democracia e refletirem sobre os efeitos do autoritarismo nesta véspera dos 50 anos do golpe — disse Abrão.


Fonte: O Globo

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