Cartaz de procurados pelo regime é um dos materiais oferecidos às escolas em projeto da UFRJ Terceiro / Reprodução |
Projetos criam acervo e material didático para enriquecer aulas sobre os anos de chumbo
Evandro Éboli (Email)
Publicado: 9/11/13
BRASÍLIA - As lições sobre a
ditadura militar nas escolas de educação básica não estão mais restritas a
simples descrição cronológica ou burocrática do período. Iniciativas do governo
e de pesquisadores estão colocando à disposição de professores e estudantes
material didático mais próximo do que ocorreu nos porões da ditadura, como
relatos de perseguidos políticos, detalhamentos de tortura, ação da censura e
documentos produzidos pelos serviços de informações da época.
Na UFRJ, por exemplo, foram
criados o Núcleo de Pesquisa, História e Ensino das Ditaduras e o projeto
Marcas da Memória, com produção de material pedagógico e organização de oficinas
para ministrar o conteúdo.
Do lado do governo, a Comissão
de Anistia e a Secretaria de Direitos Humanos disponibilizam e distribuem seu
acervo, como série de depoimentos de ex-perseguidos políticos e filmes. Num dos
materiais da comissão — o livreto “Liberdades democráticas” — há capítulos com
“o que foi a ditadura militar”, como agia e resumos de biografias de Lamarca,
Marighella e Frei Tito, com dicas de livros e filmes.
As historiadoras da UFRJ não
dizem que os atuais livros didáticos omitem a ditadura e suas mazelas, mas os
criticam por apresentar o material de maneira cronológica e sem profundidade.
— Os novos livros abordam o
tema, mas não têm visão global da ditadura. Os temas não dialogam entre si.
Parece que não é um governo só, que são vários e sucessivos, quando se sabe que
foram 21 anos de ditadura. E a luta armada sempre entra num quadrinho a parte,
como se não tivesse relação. O que constatamos até agora é que há uma sede dos
professores por material didático sobre o assunto — diz a pesquisadora Samantha
Quadrat, que participa dos projetos da UFRJ.
Livros tratam período de forma pouco analítica
A historiadora Alessandra
Carvalho, do Colégio de Aplicação da UFRJ, diz que os livros de História dão
bom espaço para o período dos governos militares, mas sempre numa perspectiva
mais descritiva do que analítica.
— Aparece assim: primeiro veio
o governo Castelo Branco, depois o AI-1, o AI-2 e por aí vai. Até aparece a
luta armada e o pós-AI-5, mas numa ordem cronológica direta, o que fica extenso
para o aluno e difícil de perceber o eixo de explicação que organize essa
cronologia. O ideal seria relacionar passado e presente. Houve uma Lei de
Anistia, referendada pelo STF, mas contestada, a defesa de punição para
torturadores, os julgamentos na Comissão de Anistia. Agora, a Comissão da
Verdade. Tem muito mais a ser contado — disse Alessandra Carvalho.
Samantha Quadrat e Alessandra
Carvalho vão ministrar uma oficina neste mês num seminário sobre o ensino da
ditadura nas escolas. No material didático que apresentarão aos professores
estão, entre outros, um cartaz distribuído pelos órgãos da repressão e
informação sobre perseguidos políticos e cartas enviadas por cidadãos
brasileiros à Divisão de Censura de Diversões Públicas, muitas endereçadas diretamente
ao presidente Ernesto Geisel, sobre os mais variados assuntos. As autoridades
do governo respondiam.
Nesse seminário será
apresentado ainda um livro para subsidiar professores — “O Ensino da Ditadura
Militar Nas Escolas: problemas e propostas de trabalho”. As pesquisadoras
responsáveis por esse projeto também dão atenção a história oral da ditadura e
já colheram 44 entrevistas de ex-perseguidos políticos e de parentes de vítimas
e desaparecidos pelos agentes do Estado.
Esses vídeos e áudios estarão
disponíveis no acervo da universidade e na Comissão de Anistia. E serão
disponibilizados para professores e estudantes. As organizadoras são as
pesquisadoras Maria Paula Araújo, Desirree dos Reis Santos e Izabel Pimentel. A
Comissão de Anistia encomenda projetos para universidades, como o “Marcas da
Memória”.
— É uma temática sensível, mas
questões de direitos humanos chamam a atenção dos jovens. Diante de temas como
a tortura e outras violações daquela época ninguém fica passivo — contou Izabel
Pimenta, pesquisadora da UFF.
O presidente da Comissão de
Anistia, Paulo Abrão, promove, na sua gestão, essas iniciativas de levar o
conteúdo sobre o regime militar aos estudantes.
— Penso que o ensino da
História deve se apropriar da memória conquistada nestes 25 anos de democracia
e refletirem sobre os efeitos do autoritarismo nesta véspera dos 50 anos do
golpe — disse Abrão.
Fonte: O
Globo
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