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sábado, 18 de agosto de 2012

Avaliação discente no Ensino Superior


Antônio Ozaí da Silva*

Imaginemos a seguinte situação hipotética. O aluno procura a professora para conversar sobre a nota da avaliação. A professora escuta atentamente e argumenta: “Sim, você é esforçado e tenho certeza de que se dedicou ao máximo. Infelizmente, sua avaliação não expressa isso. Sei também que há casos em que não há a mesma dedicação e a nota foi melhor”. A professora não pode fazer nada, sua avaliação se atém unicamente ao que o aluno conseguiu fazer, ou seja, ao exposto no papel.
Outro exemplo hipotético: a aluna não freqüenta as aulas, mas consegue as melhores notas na avaliação do mestre. Este se vê, então, diante do paradoxo de reprová-la – mesmo que ela tenha demonstrado que sabe o conteúdo da disciplina – ou aprová-la, desconsiderando o aspecto da assiduidade. Ele pode apegar-se à exigência formal da presença nas aulas e decidir pela reprovação. Mas o que importa não é a aprendizagem do conteúdo? Por outro lado, ele sabe que a presença física dos alunos em sala de aula não indica necessariamente participação efetiva. Os corpos estão presentes, mas as mentes ausentes. Ainda mais nestes tempos de tecnologia avançada, com celulares e notebooks disponíveis. O aluno pode simplesmente estar presente, mas sem qualquer interação. O que fazer?
As situações acima expressam o dilema de avaliar. Nos exemplos, partimos do pressuposto de que o/a professor/a é bem-intencionado, razoável e se pauta por princípios éticos. Não obstante, a avaliação é um dos instrumentos de poder à disposição do/a professor/a e nem sempre é utilizado de maneira equilibrada. Os alunos criticam a prepotência e o narcisismo professoral. Com razão! Muitas vezes, o docente instaura o terror na luta de classe e utiliza o poder institucional enquanto uma de compensação às humilhações e frustrações sofridas.
É no processo avaliativo que o poder professoral (de definir a nota, classificar, aprovar ou reprovar) mais se faz sentir. O professor se vê com o poder de dar atestado de burrice, mas não autoavalia o seu próprio desempenho. Este tipo de professor não se vê como o educador que também precisa ser educado e não admite que seu trabalho seja julgado por seus alunos. Ele se ilude: o tempo todo eles o avaliam; apenas não têm os meios e instrumentos para se expressarem. De qualquer forma, ainda que a atuação docente se paute por critérios objetivos e justos não anula o fato da relação professor-aluno é essencialmente uma relação de poder. E como garantir que não haja abuso de poder? Quem avalia o avaliador?
Este processo caracteriza uma relação humana. Pode parecer óbvio, mas às vezes é preciso lembrar que a avaliação não se dá entre conteúdo e provas, exames, etc., mas entre seres humanos num contexto específico. Inclui, portanto, aspectos inerentes à condição humana. Mas será que levamos isto em consideração ao avaliarmos e sermos avaliados?
Relação humana e relação de poder. A autoridade do professor é sacramentada pelo título e pela instituição burocrática, mas os critérios avaliativos nem sempre são claros e há práticas questionáveis. Os alunos reclamam do subjetivismo, aliado às motivações político-ideológicas, das arbitrariedades, falta de clareza e critérios diferenciados pautados em preferências e/ou rejeições pessoais, etc. O aluno pode recorrer se considera que a nota foi injusta. A maioria, contudo, desenvolve estratégias de sobrevivência e o senso de realidade indica que nem sempre é bom afrontar o mestre; em certos casos, desistem do curso; em outros, há resistência individual, mas é raro que ocorra ação coletiva. Não esqueçamos que os professores são julgados pelos pares e, em geral, predomina o espírito corporativo.
Os procedimentos avaliativos podem ser diversos: provas (escritas, oral, com/sem consulta, em grupo, individual, dissertativa, objetiva, que exige memorização, etc.); trabalhos (pesquisa de campo, elaboração de materiais didáticos, seminários, aula práticas, etc.); e outros procedimentos como a autoavaliação, participação nas aulas e projetos de ensino/e pesquisa e extensão, estudo de casos, etc. Todos os meios utilizados têm aspectos negativos e positivos e estes podem ser potencializados ou não, a depender das circunstâncias e da capacidade profissional. De qualquer forma, a decisão final cabe ao docente. Os meios avaliativos não invalidam a relação de poder. É fundamental, portanto, ter a nítida consciência desse aspecto e procurar utilizar de maneira positiva o poder de avaliar. E, sobretudo, estar aberto a reconsiderar e corrigir qualquer injustiça cometida, ainda que involuntariamente. O educador precisa, antes de tudo, respeitar o aluno, tratá-lo como ser humano e não enquanto objeto de avaliação. Isso deveria ser uma obviedade.
O ritual da prática avaliativa não se restringe às implicações pedagógicas, mas incluem também aspectos éticos, psicológicos, etc. A postura docente equivocada pode se revelar desestimulante, frustrante e restritiva do desenvolvimento intelectual e humano do discente. Há quem se regozije pelo rigor acadêmico expresso na reprovação do maior número de alunos. Parece-me, no entanto, que tais práticas podem ser reveladoras de um certo sadismo intelectualizado. A reprovação em massa e a evasão deveriam ser motivo de preocupação e reflexão. A função do professor é ensinar. Será que ele cumpre bem o seu papel quando a maioria dos alunos não consegue assimilar o conteúdo? Quem, de fato, é o reprovado?
Enquanto relação de poder, a prática avaliativa pode revelar-se um instrumento disciplinar eficiente. No extremo, é no processo avaliativo que o docente compensa a sua ira, insatisfação, ressentimentos, etc. A prova torna-se objeto da vingança professoral, fator de punição. É simples, basta formular as questões num grau de dificuldades maior. O aluno percebe, mas o que pode fazer? Nada. O poder de formular as questões, definir os critérios – ou nem defini-los – e, sobretudo, de decidir a nota é do docente.
Avaliar é muito complexo. É um dos momentos mais difíceis da práxis docente. Contudo, ainda que consideremos uma situação ideal em que prevaleça o melhor meio de avaliação e a decisão docente seja legitimada e reconhecida como justa, a questão essencial permanece: é possível medir o conhecimento? Nas Ciências Humanas a subjetividade e a possibilidade de mais de uma interpretação são aspectos nem sempre considerados. É possível a objetividade plena neste campo? Será que os professores percebem que a pretensa objetividade científica encontra-se prenhe de valores e humores que podem influenciar o ato de avaliar? Cada cabeça uma sentença, cada professor o seu critério. E este parece um mistério para o aluno. A mesma prova pode ter notas diferentes a depender de quem avalie.
Qual a origem da necessidade de mensurar o saber e da certeza de que é possível fazê-lo? Quantificar o conhecimento parece ser um fator intrínseco à natureza pedagógica. Apontam-se os efeitos, problemas, etc., mas, em geral, não questiona-se o fato de que a avaliação se propõe a medir o aprendizado em termos quantitativos, matemáticos. Um aluno vale 9, 25 e o outro 10, ou seis e alguma coisa, ou menos, etc. Mas a nota seis é o critério para ser aprovado. Então, o que diferencia os aprovados? E o aluno que foi reprovado por alguns décimos, será menos inteligente do que aquele que conseguiu a nota seis? No entanto, a proposta de extinção de qualquer mecanismo de definição de notas – pois todos os instrumentos visam quantificar resultados – muito provavelmente será considerada absurda. Ainda que muitos programas de pós-graduação já tenham abolido as notas. Por que a resistência na graduação?
Os alunos questionam os abusos dos instrumentos de avaliação, podem até mesmo preferir uns a outros, elogiam os professores que utilizam eficazmente esse ou aquele meio avaliativo, mas, em seu conjunto, concebem a avaliação como um fato em si, naturalizam e não questionam os pressupostos. Aliás, não só os alunos, seus professores também! A favor de uns e de outros, deve-se observar que estão submetidos ao sistema de ensino e às exigências burocráticas. Não obstante, isto não é obstáculo intransponível à reflexão crítica! A verdade é que a o processo avaliativo corresponde às práticas do poder disciplinar e professoral.
* Texto elaborado para subsidiar a participação no debate “A (IN)EFICIÊNCIA DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO NAS UNIVERSIDADES – “Uma crítica aos tradicionais métodos vigentes”, evento promovido pelo Centro Acadêmico de Economia – José James da Silveira (UEM). Fonte: Blog do Ozaí

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