Antônio Ozaí da Silva*
Imaginemos a seguinte situação
hipotética. O aluno procura a professora para conversar sobre a nota da
avaliação. A professora escuta atentamente e argumenta: “Sim, você é esforçado
e tenho certeza de que se dedicou ao máximo. Infelizmente, sua avaliação não
expressa isso. Sei também que há casos em que não há a mesma dedicação e a nota
foi melhor”. A professora não pode fazer nada, sua avaliação se atém unicamente
ao que o aluno conseguiu fazer, ou seja, ao exposto no papel.
Outro exemplo hipotético: a
aluna não freqüenta as aulas, mas consegue as melhores notas na avaliação do
mestre. Este se vê, então, diante do paradoxo de reprová-la – mesmo que ela
tenha demonstrado que sabe o conteúdo da disciplina – ou aprová-la, desconsiderando
o aspecto da assiduidade. Ele pode apegar-se à exigência formal da presença nas
aulas e decidir pela reprovação. Mas o que importa não é a aprendizagem do
conteúdo? Por outro lado, ele sabe que a presença física dos alunos em sala de
aula não indica necessariamente participação efetiva. Os corpos estão
presentes, mas as mentes ausentes. Ainda mais nestes tempos de tecnologia
avançada, com celulares e notebooks disponíveis. O aluno pode simplesmente
estar presente, mas sem qualquer interação. O que fazer?
As situações acima expressam o
dilema de avaliar. Nos exemplos, partimos do pressuposto de que o/a professor/a
é bem-intencionado, razoável e se pauta por princípios éticos. Não obstante, a
avaliação é um dos instrumentos de poder à disposição do/a professor/a e nem
sempre é utilizado de maneira equilibrada. Os alunos criticam a prepotência e o
narcisismo professoral. Com razão! Muitas vezes, o docente instaura o terror na
luta de classe e utiliza o poder institucional enquanto uma de compensação às
humilhações e frustrações sofridas.
É no processo avaliativo que o
poder professoral (de definir a nota, classificar, aprovar ou reprovar) mais se
faz sentir. O professor se vê com o poder de dar atestado de burrice, mas não
autoavalia o seu próprio desempenho. Este tipo de professor não se vê como o
educador que também precisa ser educado e não admite que seu trabalho seja
julgado por seus alunos. Ele se ilude: o tempo todo eles o avaliam; apenas não
têm os meios e instrumentos para se expressarem. De qualquer forma, ainda que a
atuação docente se paute por critérios objetivos e justos não anula o fato da
relação professor-aluno é essencialmente uma relação de poder. E como garantir
que não haja abuso de poder? Quem avalia o avaliador?
Este processo caracteriza uma
relação humana. Pode parecer óbvio, mas às vezes é preciso lembrar que a
avaliação não se dá entre conteúdo e provas, exames, etc., mas entre seres
humanos num contexto específico. Inclui, portanto, aspectos inerentes à
condição humana. Mas será que levamos isto em consideração ao avaliarmos e
sermos avaliados?
Relação humana e relação de
poder. A autoridade do professor é sacramentada pelo título e pela instituição
burocrática, mas os critérios avaliativos nem sempre são claros e há práticas questionáveis.
Os alunos reclamam do subjetivismo, aliado às motivações político-ideológicas,
das arbitrariedades, falta de clareza e critérios diferenciados pautados em
preferências e/ou rejeições pessoais, etc. O aluno pode recorrer se considera
que a nota foi injusta. A maioria, contudo, desenvolve estratégias de
sobrevivência e o senso de realidade indica que nem sempre é bom afrontar o
mestre; em certos casos, desistem do curso; em outros, há resistência
individual, mas é raro que ocorra ação coletiva. Não esqueçamos que os
professores são julgados pelos pares e, em geral, predomina o espírito
corporativo.
Os procedimentos avaliativos
podem ser diversos: provas (escritas, oral, com/sem consulta, em grupo,
individual, dissertativa, objetiva, que exige memorização, etc.); trabalhos
(pesquisa de campo, elaboração de materiais didáticos, seminários, aula
práticas, etc.); e outros procedimentos como a autoavaliação, participação nas
aulas e projetos de ensino/e pesquisa e extensão, estudo de casos, etc. Todos
os meios utilizados têm aspectos negativos e positivos e estes podem ser
potencializados ou não, a depender das circunstâncias e da capacidade
profissional. De qualquer forma, a decisão final cabe ao docente. Os meios
avaliativos não invalidam a relação de poder. É fundamental, portanto, ter a
nítida consciência desse aspecto e procurar utilizar de maneira positiva o
poder de avaliar. E, sobretudo, estar aberto a reconsiderar e corrigir qualquer
injustiça cometida, ainda que involuntariamente. O educador precisa, antes de
tudo, respeitar o aluno, tratá-lo como ser humano e não enquanto objeto de
avaliação. Isso deveria ser uma obviedade.
O ritual da prática avaliativa
não se restringe às implicações pedagógicas, mas incluem também aspectos
éticos, psicológicos, etc. A postura docente equivocada pode se revelar
desestimulante, frustrante e restritiva do desenvolvimento intelectual e humano
do discente. Há quem se regozije pelo rigor acadêmico expresso na reprovação do
maior número de alunos. Parece-me, no entanto, que tais práticas podem ser
reveladoras de um certo sadismo intelectualizado. A reprovação em massa e a
evasão deveriam ser motivo de preocupação e reflexão. A função do professor é
ensinar. Será que ele cumpre bem o seu papel quando a maioria dos alunos não
consegue assimilar o conteúdo? Quem, de fato, é o reprovado?
Enquanto relação de poder, a
prática avaliativa pode revelar-se um instrumento disciplinar eficiente. No
extremo, é no processo avaliativo que o docente compensa a sua ira, insatisfação,
ressentimentos, etc. A prova torna-se objeto da vingança professoral, fator de
punição. É simples, basta formular as questões num grau de dificuldades maior.
O aluno percebe, mas o que pode fazer? Nada. O poder de formular as questões,
definir os critérios – ou nem defini-los – e, sobretudo, de decidir a nota é do
docente.
Avaliar é muito complexo. É um
dos momentos mais difíceis da práxis docente. Contudo, ainda que consideremos
uma situação ideal em que prevaleça o melhor meio de avaliação e a decisão
docente seja legitimada e reconhecida como justa, a questão essencial
permanece: é possível medir o conhecimento? Nas Ciências Humanas a
subjetividade e a possibilidade de mais de uma interpretação são aspectos nem
sempre considerados. É possível a objetividade plena neste campo? Será que os
professores percebem que a pretensa objetividade científica encontra-se prenhe
de valores e humores que podem influenciar o ato de avaliar? Cada cabeça uma
sentença, cada professor o seu critério. E este parece um mistério para o
aluno. A mesma prova pode ter notas diferentes a depender de quem avalie.
Qual a origem da necessidade de
mensurar o saber e da certeza de que é possível fazê-lo? Quantificar o
conhecimento parece ser um fator intrínseco à natureza pedagógica. Apontam-se
os efeitos, problemas, etc., mas, em geral, não questiona-se o fato de que a
avaliação se propõe a medir o aprendizado em termos quantitativos, matemáticos.
Um aluno vale 9, 25 e o outro 10, ou seis e alguma coisa, ou menos, etc. Mas a
nota seis é o critério para ser aprovado. Então, o que diferencia os aprovados?
E o aluno que foi reprovado por alguns décimos, será menos inteligente do que
aquele que conseguiu a nota seis? No entanto, a proposta de extinção de
qualquer mecanismo de definição de notas – pois todos os instrumentos visam
quantificar resultados – muito provavelmente será considerada absurda. Ainda
que muitos programas de pós-graduação já tenham abolido as notas. Por que a
resistência na graduação?
Os alunos questionam os abusos
dos instrumentos de avaliação, podem até mesmo preferir uns a outros, elogiam
os professores que utilizam eficazmente esse ou aquele meio avaliativo, mas, em
seu conjunto, concebem a avaliação como um fato em si, naturalizam e não
questionam os pressupostos. Aliás, não só os alunos, seus professores também! A
favor de uns e de outros, deve-se observar que estão submetidos ao sistema de
ensino e às exigências burocráticas. Não obstante, isto não é obstáculo
intransponível à reflexão crítica! A verdade é que a o processo avaliativo
corresponde às práticas do poder disciplinar e professoral.
* Texto elaborado para
subsidiar a participação no debate “A (IN)EFICIÊNCIA DOS INSTRUMENTOS DE
AVALIAÇÃO NAS UNIVERSIDADES – “Uma crítica aos tradicionais métodos vigentes”,
evento promovido pelo Centro Acadêmico de Economia – José James da Silveira
(UEM). Fonte: Blog
do Ozaí
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