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terça-feira, 25 de junho de 2013

Indignação e Ressentimento

Jair Pinheiro*

             A campanha para o impeachment do ex-presidente Collor, em 1992, deu ensejo a um movimento que se autodenominou “pela ética na política”. Não era a primeira vez na história que o tema da corrupção pautava a agenda política, mas talvez seja o período mais longevo do fenômeno, pois nesses últimos dezenove anos a corrupção tornou-se tema central da pauta jornalística, das campanhas eleitorais, do proselitismo partidário e das conversas de ponto de ônibus.
            A partir de então, o tema tornou-se o centro do debate político, gerando nos mais crédulos a convicção equivocada e reducionista de que, controlada a corrupção, todo o resto estaria resolvido. Entretanto, tal convicção sempre concorre com a percepção dos problemas sociais, ou da gravidade deles, para a tomada de posição pelos indivíduos em face das alternativas políticas que lhe são colocadas pelos partidos, pelos movimentos sociais e pela mídia. Evidentemente, esses dois temas e as formas de combiná-los têm pesos diferentes para os indivíduos conforme seu lugar e sua posição de classe.
Para o cálculo político de curto prazo (o que não exclui efeitos visados de longo prazo) das campanhas eleitorais ou, como no presente momento, de reação ao crescimento das lutas populares, o tema da corrupção apresenta algumas vantagens sobre o dos problemas sociais, a saber: toca a todos, gerando um consenso espontâneo e abstrato; seu conteúdo é de fácil assimilação; na aparência sua solução depende de medidas simples de rigor investigativo e punitivo; mobiliza o sentimento de indignação (supostamente contra os maus brasileiros) e o de ressentimento (este, inconfesso, por certo) dos excluídos do butim e separa os bons dos maus, ou seja, os patriotas dos impatriotas, como sugerem as imagens veiculadas à exaustão pelos telejornais da última semana. Como a ideia de ordem orienta toda essa construção ideológica, cria-se, assim, uma disposição subjetiva de apoio à repressão dos que lutam por direitos, supostamente provocadores de desordem.
Por oposição, os problemas sociais não tocam a todos, requerem a construção de consenso sobre o concreto vivido; sua assimilação exige habilidade de interpretar informações; não comportam soluções simples com resultados imediatos nem na aparência; seu encaminhamento precisa mobilizar o sentimento de solidariedade e não separa os indivíduos por critérios morais simples, mas por critérios materiais cujas causas, se debatidas aberta e publicamente, tendem a revelar o que a luta anticorrupção tende a ocultar: o mistério da insolúvel desigualdade social. Como a ideia de direito orienta essa perspectiva, ela assusta àqueles cujos privilégios seriam afetados caso as camadas populares conquistem mais direitos.
É este cálculo político de curto prazo (evitar que a periferia ocupe a rua) e esta manobra ideológica (substituir o debate público e aberto dos problemas pela mobilização da indignação e do ressentimento), com vistas a restabelecer as condições de dominação de longo prazo (a fé cega num sistema representativo que não pode representar todos, a não ser como abstração), que explica a mudança de foco da imprensa sobre as manifestações e a presença de pescadores em águas turvas a partir do momento que aumentou a aprovação popular às manifestações e se desmoralizou a ação repressiva da PM.
Se o exposto até aqui é defensável, como penso que é, a corrupção é um privilégio espúrio, ou seja, oposta a direitos, portanto, deve ser denunciada e combatida. Entretanto, a luta anticorrupção como vem se dando é portadora de um enorme potencial obscurantista na medida em que se insinua na retórica da mídia, dos partidos conservadores e dos pescadores em águas turvas como alternativa à luta por direitos, pois temem o potencial esclarecedor (iluminista) desta luta.


* Professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp/Marília e pesquisador do NEILS – Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais.

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