Leonardo Sakamoto
23/05/2013
“Vagabundo que faz greve deveria ser
demitido.” Algumas poucas vezes me dou o direito de atualizar e republicar
certos textos deste blog. Hoje é o caso. Pois, ouvi no trem, uma senhora
reclamando destemperadamente com uma amiga dos professores da rede municipal em
São Paulo, que estão em greve desde o dia 03 – da mesma forma que doutos
senhores espezinhavam a greve de professores das universidades federais,
tomando cafezinho nos Jardins, tempos atrás. Pedem 17% de recomposição
inflacionária dos últimos três anos. A prefeitura oferece 10,19% agora e mais
13,43% em 2014. Mas os sindicatos alertam que esses valores seriam relativos a
outros acordos firmados em anos anteriores para incorporação de abonos.
Contudo, mais do que discutir
se o salário dos professores será suficiente para pagar uma esfiha ou um kibe
no Habib’s, o que me interessa neste texto é a forma com a qual vemos suas
reivindicações e as descolamos da melhoria da educação como um todo.
Quando escrevi pela primeira
vez sobre isso vivíamos a greves dos mestres das universidades federais. E, é
claro, essa frase nunca vem sozinha: passeata que atrapalha o trânsito? Cacete
neles! Protesto em praça pública? Cacete neles! Onde já se viu? Essas pessoas
têm que saber seu lugar.
Sindicatos não são perfeitos,
longe disso. Assim como ocorre em outras instituições, possuem atores que
resolvem voltar-se para os próprios umbigos e tornar a busca pelo poder e sua
manutenção de privilégio mais importante que os objetivos para os quais foram
eleitos. Ou seja, tá cheio de sindicalista pelego ou picareta, da mesma forma
que empresário corrupto e sonegador. Contudo, graças à organização e pressão
dos trabalhadores, importantes conquistas foram obtidas para civilizar
minimamente as regras do jogo – não trabalhar até a exaustão, descansar de
forma remunerada, ter salários (menos in)justos, garantir proteção contra a
exploração infantil. Direitos estes que, mesmo incompletos, são chamados por
alguns empregadores de “gargalos do crescimento”.
Leia também:
É esquizofrênico reclamar que
não há no Brasil quantidade suficiente de força de trabalho devidamente
preparada para fazer frente às necessidades de inovação e produtividade e, ao
mesmo tempo, chutar feito caixa de giz vazia as reivindicações de professores
por melhores condições e remuneração. Como acham que o processo de formação
ocorre? Por osmose? Cissipartição? Geração espontânea a partir dos argumentos
fedidos desse povo?
Incrível como muitos colegas,
ao tratarem sobre greve de professores, chamam sempre as mesmas fontes de
informação que dizem, sempre, as mesmas coisas: é hora de apertar os cintos, os
grevistas só pensam neles, a economia não aguenta, bando de vagabundos, já para
a senzala sem jantar, enfim. Não existe imparcialidade jornalística. Qualquer
estudante de jornalismo aprende isso nas primeiras aulas. Quando você escolhe
um entrevistado e não outro está fazendo uma opção, racional ou não, por isso a
importância de ouvir a maior diversidade de fontes possível sobre determinado
tema. Fazer uma análise ou uma crítica tomando partido não é o problema, desde
que não se engane o leitor, fazendo-o acreditar que aquilo é a única
intepretação possível da realidade.
Infelizmente, muitos veículos
ou jornalistas que se dizem imparciais, optam sistematicamente por determinadas
fontes, sabendo como será a análise de determinado fato. Parece até que
procuram o especialista para que legitime um ponto de vista. Ou têm preguiça de
ir além e fugir da agenda da redação, refrescando suas matérias com análises
diferentes. Ou alguém acha que é aleatório escolherem sistematicamente o
professor José Pastore para analisar direitos trabalhistas?
Apoio os professores. Apoio os
metalúrgicos de fábricas de automóveis. Apoio os controladores de vôo. Apoio os
cobradores e motoristas de ônibus. Apoio os bancários. Apoio os garis. Apoio os
residentes médicos. Apoio o santo direito de se conscientizarem,
reconhecerem-se nos problemas, dizer não e entrar em greve até que a sociedade
pressione e os patrões escutem. Mesmo que a manifestação deles torne minha vida
um absurdo.
O Brasil está conseguindo
universalizar o seu ensino fundamental, mas isso não está vindo acompanhado de
um aumento significativo na qualidade da educação. Mesmo que os dados para a
evolução dos primeiros anos de estudo estejam além do que o governo esperava no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), grande parte dos jovens de
escolas públicas têm entrado no ensino médio sabendo apenas ordenar e reconhecer
letras, mas não redigir e interpretar textos. Enquanto isso, o magistério no
Brasil continua sendo tratado como profissão de segunda categoria.
Uma educação de baixa
qualidade, insuficiente às características de cada lugar, que passa longe das demandas
profissionalizantes e com professores mal tratados pode mudar a vida de um
povo?
Por fim, estou farto daquele
papinho do self-made man cansativo de
que os professores e os alunos podem conseguir vencer, com esforço individual,
apesar de toda adversidade, “ser alguém na vida”. Aí surgem as histórias do
tipo “Joãozinho comia biscoitos de esterco com insetos e vendia ossos de zebu
para sobreviver. Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe
ajudarem e, por conta, própria, lutou, lutou, lutou (às vezes, contando com a
ajuda de um mecenas da iniciativa privada), andando 73,5 quilômetros todos os
dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira como caderno.
Hoje é presidente de uma multinacional”. Passando uma mensagem “se não consegue
ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender de uma escola de
qualidade e de um bom professor, você é um verme nojento que merece nosso
desprezo”. Afe. Daí para tornar as instituições públicas de ensino e a figura
do próprio professor cada vez mais acessórias é um passo.
Educação é a saída, mas qual
educação? Aquela defendida pelo pessoal do “Amigos do Joãozinho”? Educar por
educar, passar dados e técnicas, sem conscientizar o futuro trabalhador e
cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, é o mesmo que mostrar
a uma engrenagem o seu lugar na máquina e ponto final. Uma das principais
funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que
podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para
que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou
enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação
precisamos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados são
fundamentais.
Em algumas sociedades, pessoas
assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer
um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança e chamadas de
mal-educadas e vagabundas. Ironia? Não, Brasil.
Aproveitando o gancho, há algum
tempo aves funestas passam voando por redacões de veículos de comunicação
demitindo sem dó.
Mudanças acontecem e a nova
geração que, hoje, pega uma revista e, com dois dedinhos, tenta ampliar uma
foto como uma tela sensível ou que não entende porque a TV da sala não responde
aos seus toques terá um relação diferente com o papel que temos hoje. Jornais
vão morrer no meio dessa transição. Outros migrarão para a internet. Veículos
novos vão surgir, pensados para plataformas digitais, multimídias, interativas.
Quem não se adaptar e não se planejar para essa virada, vai comer capim pela
raiz mais cedo. Contudo, temos uma forte produção jornalística em formato de
empresa tradicional e, durante muito tempo, ainda teremos. Talvez essa parte
nunca mude, garantindo as coisas boas e ruins dessas estruturas. O fato é que
isso está sustentado em uma relação capital/trabalho, ou melhor dizendo,
patrão/empregado. Sim, colegas jornalistas, apesar de muitos de nós pensarem
que não, nós somos operários da notícia. É difícil ouvir isso, mas é a
realidade.
De tempos em tempos, somos
surpreendidos com notícias de demissões coletivas em veículos de comunicação.
Motivos são vários: garantir a sobrevivência do veículo, aumentar a margem de
lucro, gerar capacidade de investimento em outros produtos da empresa. Há ainda
os casos em que um jornal fecha as portas e boa parte das pessoas simplesmente
vai para a rua por má gestão e erros na condução da publicação. Razões podem
existir para o encerramento das atividades de um veículo ou a diminuição de sua
força de trabalho. Mas o que não entra pela minha cabeça é que isso seja
encarado tão bovinamente por todos nós.
E que algumas empresas que
defendem a democracia e o diálogo como processo de construção de uma sociedade
melhor, ignorem isso quando se trata delas próprias. É um negócio e pertence a
alguém? Claro! Mas cresceu graças ao suor de trabalhadores, que deveriam ser
consultados e chamados a compartilhar decisões. Quando demissões coletivas ou
fechamentos de fábricas acontecem em linhas de montagem de veículos, metalúrgicos
mobilizam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, informam a população, além de
cruzarem os braços até que uma solução seja encontrada para reverter o corte de
vagas ou, pelo menos, criar compensações à altura. Professores vão para as
ruas. Nós, não. Vemos colegas irem embora e não fazemos nada. Ou melhor,
ficamos com medo de sermos os próximos e choramos sozinhos no banheiro.
Isso não é texto novo. Como já
disse, nós, jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe
trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o
poder e convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou
enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que
também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços
não são mais necessários em determinado lugar.
Alguns colegas vão repetir:
japa, mas essas mudanças são boas. Agora, os jornalistas vão poder trabalhar
por conta própria e criar seus próprios veículos na internet. Como se um grupo
de pessoas que, durante toda a vida, trabalhou em uma estrutura empresarial
possa, de uma hora para outra, tornar-se um empreendedor de sucesso. Tendo
família para sustentar, contas a pagar e sem a disposição de tentar do zero e
dar com a cara no muro. Financiamento coletivo, patrocínio cruzado, enfim, há
quem lide com isso de forma mais fácil. Mas lembrem-se que a maioria não foi
programada para isso. Por isso, temos o chamado “Milagre da Multiplicacão dos
Frilas”, que eram assalariados e tornaram-se “chefes de si mesmos”. Alguns são
felizes por não terem férias remuneradas. Outros, não.
Talvez o futuro seja um misto
de tudo isso, emprego CLT, frilas, empreendedores individuais ou coletivos,
pessoas produzindo conteúdo em redes, ONGs, enfim. Mas, hoje, o que me preocupa
são os viventes e suas contas a pagar.
O que estou pedindo?
Jornalistas do mundo, uni-vos? Que tamancos sejam jogados nas prensas dos
jornais? Nem… isso seria muito brega. Ou melhor, kitsch – tenho horror a kitch.
O que gostaria de lembrar é que as coisas vão mudar cada vez mais rápido. E
temos duas opções: encarar isso sozinhos ou juntos.
Um bom exercício seria tentar
entender e relatar as greves de professores como algo que faz parte das
necessárias disputas sociais e econômicas e não tema para página policial. O
próximo pode ser você, caro jornalista com salário de coxinha e emprego de
palha.
Fonte: Blog
do Sakamoto
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