O procurador do Estado de São
Paulo Marcio Sotelo Felippe afirma que o governador Geraldo Alckmin, o
presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Ivan Sartori, e Naji Nahas
devem ser presos pelos crimes cometidos contra a humanidade no Pinheirinho, em São
José dos Campos, interior de São Paulo
Alckmin Nahas Sartori
Pinheirinho PrisãoDurante quinze dias, o jurista Márcio Sotero se debruçou na documentação da área do
Pinheirinho, onde foram expulsas pela tropa de choque da Polícia Militar, no
dia 22 de janeiro, milhares de pessoas pobres.
A reintegração de posse foi
requerida pela massa falida da Selecta, empresa do especulador Naji Nahas. Ao
pesquisar toda a papelada do processo de falência o procurado do Estado fez
algumas descobertas até agora não divulgadas por autoridades que tinham este
conhecimento.
Márcio Sotero Felipe também é
professor de Filosofia do Direito da Escola Superior da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo e exerceu o cargo de Procurador Geral do Estado na gestão
Mário Covas.
Abaixo, a íntegra da entrevista
de Márcio Sotero Felipe à repórter Marilu Cabañas.
Dr. Márcio, o que o senhor
constatou na sua pesquisa sobre a massa falida da Selecta?
M.S.F.: Constatei algumas ações
que a sociedade deve saber, que as pessoas devem entender. A massa falida da
Selecta a rigor hoje não é mais massa falida. Todos os créditos que eles tinham
contra a massa falida já foram pagos ou satisfeitos. De que modo foram pagos ou
satisfeitos? O que eu sei, pelo processo de falência, é que a própria falida, o
próprio Naji Nahas comprou estes créditos. Não existem empregados para receber
créditos trabalhistas. Não existe qualquer contrato privado pra ser destinado.
Existem dívidas tributárias do município e da União. As dívidas tributárias,
elas independem da falência, elas podem ser cobradas a parte. A falência está
materialmente finda, de tal modo que existe um despacho de um juiz da falência
de cinco anos atrás dizendo literalmente o seguinte a falência está finda e
todo o numerário arrecadado será destinado à falida. Não à massa falida, que é
outro conceito. À falida. Quem é a falida? É a empresa do senhor Naji Nahas. Ou
seja, por que que isto é importante ressaltar? Porque tudo que aconteceu no
Pinheirinho, toda esta tragédia, ela resulta no seguinte: beneficia apenas o
maior especulador do País, um dos maiores escroques deste País que é o senhor
Naji Nahas. Então a pergunta que eu quero fazer é a seguinte: O que a máquina
do Estado de São Paulo, o executivo pela Polícia Militar, o presidente do
Tribunal de Justiça, que se empenhou violentamente pra isso? Por que toda esta
máquina foi movimentada pra beneficiar o falida Naji Nahas? E apenas o falido
Naji Nahas. Nenhum crédito trabalhista. Nenhum credor de contrato privado.
Nada! O único beneficiário desta ação é o senhor Naji Nahas. Eu quero apenas
entender. Eu quero apenas fazer esta pergunta ao senhor Governador e ao
Presidente do Tribunal de Justiça: Por que esta ação foi realizada desta forma?
Por que ação deste porte, que beneficia apenas o senhor Naji Nahas, foi
realizada violentando, brutalizando, desgraçando a vida de seis mil pessoas?
Gostaria que o senhor
explicasse qual que é também a participação do síndico da massa falida? Por que
ele estava presente na tentativa de acordo, pra dar quinze dias, pra não
ocorrer a reintegração de posse juntamente com o juiz Luiz Beetwoven Giffoni
Ferreira. E o síndico da massa falida estava presente. Então, qual seria o
papel deste síndico também já que não existe praticamente a massa falida?
M.S.F.: Olha, isto tudo foge da
rotina. Isto tudo foge do padrão de operação de um processo de falência. Na
medida em que o síndico da massa falida, que é uma pessoa que não tem relação
com a falida, ele é (pode ser) um dos credores, ou alguém nomeado livremente
pelo juiz. Mas ele é o representante da massa falida, ele é quem postula pela
massa falida, e não o falido que perdeu a capacidade de gerir os seus negócios.
Então, ele fez um acordo, ele representa a massa falida, o acordo foi
homologado. Por uma razão misteriosa, que ninguém consegue entender, o acordo é
esquecido. E dois mil policiais militares fazem esta operação
extraordinariamente violenta. Ou seja, há uma série de irregularidades. Eu não
vou nem me estender nas irregularidades jurídicas. Havia uma determinação da
justiça federal, mil coisas que caracterizam completa ilegalidade disso. No que
espanta é que uma certa natureza, uma decisão judicial incondicional, com
problemas processuais, em que a única pessoa que representava a massa falida,
que era o síndico, tinha concordado com a desocupação (sic: decisão). Não
haveria possibilidade de outra decisão. Espanta aqui que a coisa toda tenha
acontecido.
Tinha concordado em dar quinze
dias, não é isto?
M.S.F.: Havia um acordo em que
a massa falida, o síndico da massa falida, concordava com o adiamento da
desocupação por quinze dias. E este acordo foi feito na quinta feira, antes de
domingo, 22 de janeiro, e no domingo, não obstante o acordo, foi feita a
operação.
Este juiz que tava fazendo esta
intermediação com os deputados, parlamentares, e também com o advogado e
síndico da massa falida, o juiz Luiz Betwooven Giffori Ferreira, este juiz já
sabia que não existia a massa falida, não é isto?
M.S.F.: Já sabia. Formalmente
há ainda um processo de falência. Formalmente há ainda uma massa falida. Mas eu
tenho um despacho, e isto está digitalizado em meu computador, tenho um
despacho de cinco anos atrás do juiz Betwooven, Dr. Betwooven, dizendo: todos
os credores da falida estão pagos, portanto tudo que for arrecadado, veja, é
sim em favor da falida. Ou seja, reverte-se em favor, explicamos, reverte-se em
favor do senhor Naji Nahas.
Agora com qual interesse, Dr.
Márcio?
M.S.F.: Olha, Marilu, eu não
tenho a resposta pra isto. Eu tenho só a minha perplexidade. Eu não vou ser
leviano, inconsequente, irresponsável de fazer acusação a altas autoridades.
Mas eu como cidadão tenho o direito de fazer uma pergunta. Apenas uma pergunta.
Por que o senhor Governador lança a PM com aquela violência extraordinária? Por
que o presidente do tribunal de justiça se empenha pessoalmente a ponto de
mandar o seu principal assessor pra lá, pra uma ação com esta brutalidade, com
esta selvageria, pra favorecer um único escroque? chamado Naji Nahas. É só isso
que estas pessoas precisam responder para o povo do Estado de São Paulo. Eu não
estou fazendo acusação nenhuma. Eu quero saber por que que a PM vai trabalhar
pra Naji Nahas? Por que que presidente do Tribunal de Justiça se empenha desta
maneira pra beneficiar o senhor Naji Nahas?
É como o senhor falou, se ainda
existissem funcionários, empregados precisando receber os salários. Seria
diferente.
M.S.F.: Perfeitamente, houve
uma desinformação muito grande, Marilu. A secretária de justiça deu uma
entrevista para O Estado de São Paulo, alguns dias depois dos fatos, dizendo:
- Ah, existem créditos
trabalhistas que têm que ser respeitados.
Não existem! Não existem
créditos trabalhistas. Não existe nenhum empregado miserável passando fome pra
receber dinheiro da massa falida. Não existe nenhum credor que vendeu alguma
coisa em algum momento que tenha um crédito contra a Selecta pra ser
ressarcido. Não existe ninguém. É isso que eu quero ressaltar. Mentira, não é
pra pagar crédito trabalhistas, não é pra pagar ninguém. Tudo isto que foi
feito só tem um beneficiário, o senhor Naji Nahas.
Que inclusive é impedido de
entrar em vários países, não é Dr. Márcio?
M.S.F.: Olha Marilu eu acho o
seguinte, sabe? Eu acho que o que aconteceu em Pinheirinho, eu vou mais adiante
do que o que você está falando. O que aconteceu no Pinheirinho é crime contra a
humanidade. Crime contra a humanidade, segundo o Direito Penal Internacional,
Estatuto de Roma, deve ser julgado no Tribunal Penal Internacional. Eu não vejo
nenhuma diferença disto que aconteceu ao que fazia um Milesovic. Que é um réu
do Tribunal Penal Internacional. Ou não é crime contra a humanidade, às cinco
horas da madrugada, invadir, uma força policial armada, helicópteros, uma área
onde residiam seis mil pessoas. Simplesmente jogadas no nada. Crianças. Velhos.
Doentes. Seis mil pessoas. Se isto não é crime contra a humanidade. O que é
crime contra a humanidade? Então, é crime contra a humanidade. Sabe o que eu
acho, Marilu?
Sim?
M.S.F.: O senhor Alckmim, o
senhor Naji Nahas, e o presidente do Tribunal de Justiça. Pelo princípio da
jurisdição universal, eles têm que ser presos em qualquer aeroporto do mundo em
que puserem os pés. É isto o Júlio (sic: Baltasar) Garzon fez, por exemplo.
Julio (sic. Baltasar) Gárzon que foi punido agora injustamente,
lamentavelmente. Pinochet estava em Londres, ele expediu um mandato de prisão
contra Pinochet. O Tribunal Penal Internacional tem que expedir um mandato de
prisão contra estas pessoas. Contra as autoridades responsáveis por este ato.
Dr. Márcio, mesmo que tivessem
problemas trabalhistas, indenizações a serem pagas, mesmo assim, não se
justificaria, não é mesmo, este tipo de reintegração?
M.S.F.: Não se justificaria.
Absolutamente não. Você lembrou muito bem um aspecto. Em primeiro lugar, é
inconstitucional. Por que que é inconstitucional? Porque existe, pela nossa
Constituição, uma hierarquia de princípios. O primeiro princípio, que é
fundamento da república, isto não é uma questão retórica, é um fundamento da
República. Ou seja, tudo que se faz na estrutura jurídica e institucional do
País deve está em função disto. Qual é este princípio? O princípio da dignidade
humana. Embora existam outros princípios. O princípio da propriedade privada. A
Constituição também protege. Nós temos uma Constituição pro sistema
capitalista. Nossa estrutura social é capitalista. A propriedade privada é
protegida. Mas nós temos uma Constituição social. Então, a propriedade tem que
ter uma função social. S seis mil pessoas que estavam lá, estavam dando função
social à propriedade. Segunda coisa, o princípio da dignidade humana prevalece
sobre o princípio da defesa da propriedade privada. Então, estes dois aspectos
fulminam, sem qualquer sombra de dúvida, a decisão da juíza de São José dos
Campos. Ela é inconstitucional. Ela não é abrigada pelo nosso ordenamento
jurídico. Então, muito bem lembrado, Marilu, podia ter credor trabalhista,
podia ter outra espécie de credor. Seis mil pessoas não podem ser jogadas na
miséria, colocadas no nada, de uma hora para outra, pra defender um, ou pra
garantir um suposto, porque também há dúvidas, direito de propriedade do senhor
Naji Nanas.
Exato, mesmo porque houve casos
semelhantes que foram decididos de forma diferente, NE?
Márcio Sotelo.: Sim. Há muitos
casos. Muitos casos. O desembargador hoje aposentado tem uma decisão clássica
sobre isto. Um caso semelhante. Muito menos grave do que este. Uma área que
havia pessoas residindo, que ele diz, uma decisão do Tribunal de Justiça de São
Paulo, o mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, em que ele diz que o princípio
da moradia digna, da dignidade humana prevalece sobre o da propriedade. Então,
nega a reintegração de posse. Nega a desocupação das pessoas. Então, esta é a
decisão constitucional.
Muito obrigada pela entrevista,
ao Dr. Márcio. Um grande abraço pro senhor.
Márcio Sotelo: Outro pra você,
também. Obrigado.
Postado em: 28 fev 2012 às
22:05
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