Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
17/04/2012
Brasília - "Temos medo do
Brasil." Foi com um desabafo inesperado que a romancista moçambicana
Paulina Chiziane chamou a atenção do público do seminário A Literatura Africana
Contemporânea, que integra a programação da 1ª Bienal do Livro e da Leitura, em
Brasília (DF). Ela se referia aos efeitos da presença, em Moçambique, de
igrejas e templos brasileiros e de produtos culturais como as telenovelas que
transmitem, na opinião dela, uma falsa imagem do país.
"Para nós, moçambicanos, a
imagem do Brasil é a de um país branco ou, no máximo, mestiço. O único negro
brasileiro bem-sucedido que reconhecemos como tal é o Pelé. Nas telenovelas,
que são as responsáveis por definir a imagem que temos do Brasil, só vemos
negros como carregadores ou como empregados domésticos. No topo [da
representação social] estão os brancos. Esta é a imagem que o Brasil está
vendendo ao mundo", criticou a autora, destacando que essas representações
contribuem para perpetuar as desigualdades raciais e sociais existentes em seu
país.
"De tanto ver nas novelas
o branco mandando e o negro varrendo e carregando, o moçambicano passa a ver
tal situação como aparentemente normal", sustenta Paulina, apontando para
a mesma organização social em seu país.
A presença de igrejas
brasileiras em território moçambicano também tem impactos negativos na cultura
do país, na avaliação da escritora. "Quando uma ou várias igrejas chegam e
nos dizem que nossa maneira de crer não é correta, que a melhor crença é a que
elas trazem, isso significa destruir uma identidade cultural. Não há o respeito
às crenças locais. Na cultura africana, um curandeiro é não apenas o médico
tradicional, mas também o detentor de parte da história e da cultura
popular", detacou Paulina, criticando os governos dos dois países que permitem
a intervenção dessas instituições.
Primeira mulher a publicar um
livro em Moçambique, Paulina procura fugir de estereótipos em sua obra,
principalmente, os que limitam a mulher ao papel de dependente, incapaz de
pensar por si só, condicionada a apenas servir.
"Gosto muito dos poetas de
meu país, mas nunca encontrei na literatura que os homens escrevem o perfil de
uma mulher inteira. É sempre a boca, as pernas, um único aspecto. Nunca a
sabedoria infinita que provém das mulheres", disse Paulina, lembrando que,
até a colonização europeia, cabia às mulheres desempenhar a função narrativa e
de transmitir o conhecimento.
"Antes do colonialismo, a
arte e a literatura eram femininas. Cabia às mulheres contar as histórias e,
assim, socializar as crianças. Com o sistema colonial e o emprego do sistema de
educação imperial, os homens passam a aprender a escrever e a contar as
histórias. Por isso mesmo, ainda hoje, em Moçambique, há poucas mulheres
escritoras", disse Paulina.
"Mesmo independentes [a
partir de 1975], passamos a escrever a partir da educação europeia que havíamos
recebido, levando os estereótipos e preconceitos que nos foram transmitidos. A
sabedoria africana propriamente dita, a que é conhecida pelas mulheres,
continua excluída. Isso para não dizer que mais da metade da população
moçambicana não fala português e poucos são os autores que escrevem em outras
línguas moçambicanas", disse Paulina.
Durante a bienal, foi relançado
o livro Niketche, uma história de poligamia, de autoria da escritora
moçambicana.
Edição: Lílian Beraldo
Fonte: Agência
Brasil
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