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terça-feira, 10 de maio de 2011

Ontem, eles eram pela luta


            Germinal, obra de Émile Zola (1840-1902), foi publicada pela primeira vez na Europa em 1881. O livro aborda o tema da luta de classes e as condições em que se desenvolveu o movimento trabalhista ao longo do século XIX na Europa, retratando o cotidiano dos mineiros de carvão e de suas famílias por melhores condições de vida no interior da França. Próprio da escola literária realista/naturalista à qual Zola pertenceu, os indivíduos/personagens de Germinal oferecem ao leitor fragmentos da vida humana sem disfarces.
            Ao lado de Maheu, o pai da família protagonista de Germinal, Chaval é um dos trabalhadores que lidera o movimento grevista por melhores condições de trabalho. Em determinado momento, percebendo a força que o movimento ganhara, o diretor da mina de carvão oferece a Chaval um posto de trabalho melhor. Oportunista, Chaval logo aceita a oferta, abandonando Maheu e seus companheiros.
            O exemplo do mineiro Chaval aparece neste breve texto apenas para mostrar que histórias de trabalhadores que se deixam cooptar pelos patrões não é coisa recente. Germinal nos ensina que toda ofensiva contra governos e patrões autoritários precisa levar em conta que em seu seio repousa um sujeito disposto a mudar de lado. A história do movimento sindical docente da UESB nos dá semelhante lição. Também aqui, nunca faltaram aqueles que, em nome de interesses imediatos, se dispusessem a minar o movimento, favorecendo os patrões. Atualmente, como fosse a trágica sina anunciada por Zola, enfrentamos companheiros cooptados sistematicamente pelo Governo do Estado.
            Sindicalistas que por diversas vezes nos conduziram contra o arrocho salarial, representam, hoje, um Governo que corta verbas para o ensino superior, desconsiderando os fins básicos e essenciais para o funcionamento das universidades baianas. A fim de fragilizar o movimento docente aqueles nossos colegas, agora pregam a acomodação.
            Não se trata de ser intolerante com a pluralidade de concepções, especialmente nas universidades, campo privilegiado para a profusão de ideias, projetos e programas, espaço da diferença e de sua livre expressão. Ocorre que, ex-diretores e ex-presidentes da ADUSB (Associação de Docentes da UESB), que afirmavam lutar contra o projeto hegemônico neoliberal, representado, na Bahia, pelo carlismo, defendem, hoje, uma gestão que não hesita em dar continuidade a um lento e perigoso processo de desmonte das universidades baianas que, em linhas gerais, aponta para a implementação de um projeto excludente e privado de ensino superior. Colegas que alegavam lutar pelo ensino público, gratuito e de qualidade, ocupam agora cargos em um Governo que jamais concebeu nossas universidades como instituições fundamentais para a promoção cultural, educacional e social do Estado. Instalados nas secretarias e gabinetes da governadoria, esse grupo de professores universitários abdica do papel propositivo que, agora no poder, deveria ter. Seu silêncio nos deixa a impressão de que os enfrentamentos do passado foram mero expediente instrumental, apenas para que pudessem ficar em evidência e ocupar o posto dos adversários, descartando, ao final, antigos ideais. Sua conivência com o corte dos salários de trabalhadores em greve agride nossa dignidade profissional, nosso compromisso como educadores e as utopias que alimentam nosso fazer cotidiano. No fundo, tentam impedir que se denuncie o projeto educacional privatizador deste Governo. Exigimos, portanto, mais respeito com as universidades públicas!
            A UESB dá a triste impressão de que vai para a sucata institucional. Obras paralisadas, faltam salas de aula, professores, servidores técnicos efetivos e laboratórios. Pressionado por múltiplas demandas e conflitos de interesses, o movimento docente dava sinais de esgotamento. Mesmo assim, alavancados pela energia criadora do movimento estudantil autônomo, saímos em defesa da Universidade, contra o contingenciamento de verbas e a consequente queda do nível de ensino, da pesquisa e da extensão. A causa da greve é a própria causa da educação pública, embora nem sempre assim todos compreendam. As Assembleias Universitárias dos dias 19 de abril e 04 de maio/2011, parecem marcar uma nova fase no movimento e na organização dos segmentos Universitários. A realização contínua dessas Assembleias poderá levar a indignação da Comunidade Universitária além de nossos muros, para o desconforto de alguns que ainda preferem viver no isolamento do conhecimento.
            Retomo agora a obra Germinal. No romance, Maheu e outros trabalhadores são mortos. Sem comida e sem dinheiro, os mineiros sobreviventes voltam ao trabalho. Por um instante, ficamos com a impressão de que enfrentar as injustiças cometidas pelos mais fortes é um ato suicida. Mas, ao contrário, a mensagem final de Germinal é a da esperança e luta. Por isso, mesmo contaminado pelo ranço do velho academicismo burocrático e pela letargia dos que desejam transformar a ADUSB em linha auxiliar da política conservadora do Governo Jacques Wagner, nosso sindicato deverá, neste momento, dar um duro recado às lideranças do passado: o movimento docente da UESB não aceitará a traição de seus ideais, princípios sempre inegociáveis, em beneficio da escalada carreirista, inimiga do ensino público superior gratuito.


Professor Renato Pereira de Figueiredo
Ex-diretor da ADUSB, gestão 1998/2000.

2 comentários:

  1. Renato, parabéns por suas lúcidas observações. Flávio Novaes

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  2. Legal professor Renato, nós estudantes estamos atentos aos acontecimentos e decepcionados com a postura de alguns professores!

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