Wagnervalter Dutra Júnior*
É interessante observar o custo da política de pão e circo. Tanto no primeiro caso, como no segundo, quem paga a conta? De quem é extraído a ‘mais-valia social’ para re-alimentar um sistema tão contraproducente regido pelo capital? Os custos do espetáculo servem para bancar campanhas eleitorais a despeito dos mais pobres, para em seguida permitir o ciclo do capital. Basta tomar, por exemplo, os sucessivos cortes orçamentários realizados pelo governador do Estado da Bahia no ano de 2009 e 2011. E por que não em 2010? Ano de comprar uma reeleição, e viabilizar algo que se situa bem além do Bolsa Família: o Bolsa Empreiteiro - para montar grandes circos, da Copa à Olimpíada.
Karl Marx no 18 de Brumário assevera: “Hegel observa algures que todos os grandes fatos e personagens da história [...] aparecem, por assim dizer, duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia e a outra como farsa [...] É precisamente nessas épocas de crise revolucionária que esconjuram temerosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem de combate, a sua roupagem, para, com esse disfarce de velhice venerável e essa linguagem emprestada, representar a nova cena da história universal” (MARX, 2008, 207 – 208). Não poderia haver melhor representação do que se transformou o Partido dos Trabalhadores – ou melhor, Partido do Trabalho Abstrato. Na Bahia o carlismo foi reconvertido numa espécie de neocarlismo, com grande eficácia para construir e operar jogos políticos visando à hegemonia – tal habilidade surpreenderia até mesmo o ‘primeiro cacique’, se estivesse vivo.
Na esteira do discurso do corte de gastos públicos, para estancar a crise, que segundo o próprio Lula da Silva era apenas uma marola, o novo cacique cabeça branca da Bahia atinge em cheio a educação. O decreto n° 12.583/2011, publicado em fevereiro, desfere um duro golpe sobre toda a educação no Estado da Bahia, e demonstra a forma como esse governo trata a educação: para ele o que importa é a educação-empreendedorista-mercadoria-fetiche (de natureza técnico-profissionalizante), expressa pelos programas enquadrados nos ditames do Banco Mundial, a exemplo do PROJOVEM. Uma espécie de adestramento pós-moderno, que transforma/transfere a formação e leitura de mundo para o caminho de volta ao parafuso dos tempos modernos de Charles Chaplin. Querem tornar real o que apontava George Orwell no livro 1984? Produzir uma espécie de novilíngua em que não caibam mais as palavras Utopia? Revolução? Socialismo? Anarquismo? Comunismo?
O caminho é a resistência: as Universidades Estaduais da Bahia deflagraram greve no mês de abril; estudantes da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia paralisaram e protestaram contra o ato fascista do governo, antes mesmo que os docentes – negando-se a serem meros apertadores de parafusos!
Há mais surpresas nesse caminho: muitos dos que hoje estão ‘perseguindo’ o movimento docente grevista, tentando criminalizar, marginalizar, eliminar o direito à mobilização e à greve, desrespeitando direitos adquiridos e assegurados por lei, foram os professores que um dia nos ensinaram a importância da crítica à sociedade burguesa: acho que o abismo não apenas olhou para eles – foi mais além do que dissera Nietzsche, o abismo os devorou.
Esses professores optaram pela ‘tirania’, todavia convém recordar Étienne de La Boétie em seu alerta muito útil aos ex-professores, agora aprendizes de operadores de fundos de pensão: “Isso sempre aconteceu porque cinco ou seis obtiveram confiança do tirano e se aproximaram dele por conta própria, ou foram chamados por ele para serem cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, favorecedores de suas libidinagens e beneficiários de suas rapinas. Esses seis dominam tão bem seu chefe que ele se torna mau para a sociedade, não só com suas próprias maldades, mas também com a deles. Esses seis têm seiscentos à sua disposição, e fazem com esses seiscentos o que os seis fizeram com o tirano. Esses seiscentos têm sob suas ordens seis mil, que elevaram em dignidade. Fazem dar a eles o governo das províncias ou a administração do dinheiro público a fim de tê-los na mão por sua avidez ou crueldade, para que as exerçam oportunamente e façam tanto mal que não possam manter-se senão sob sua sombra nem se isentar das leis e das punições senão graças à sua proteção [...] Do mesmo modo, assim que um rei se declarou tirano, tudo o que é ruim, toda a escória do reino – [...] dos que são possuídos por uma ambição intensa e uma avidez notável – reúne-se ao redor dele e o apóia para participar do butim e se tornar pequenos tiranos sob o grande tirano. [...] É assim que o tirano subjuga os súditos – uns por meios dos outros – e se faz guardar por aqueles contra os quais deveria se precaver, se valessem alguma coisa. [...] Quando penso nas pessoas que bajulam o tirano para explorar sua tirania e a servidão do povo, muitas vezes fico admirado com sua maldade e sinto piedade de sua tolice. Pois, na verdade, o que é aproximar-se do tirano senão afastar-se cada vez mais da liberdade e, por assim dizer, abraçar e apertar com as duas mãos a servidão?” (Discurso da Servidão Voluntária, 2010, p. 62 – 64).
A educação, mesmo tão precarizada pelo governo do PT, é uma das possibilidades na construção da práxis revolucionária que descortina os ‘tiranos’ e as ‘tiranias’, nos colocando além da servidão voluntária; mas, a opção pelo circo, pela sociedade do espetáculo, é o que prevalece.
E o que restará para os baianos e brasileiros depois do “grande espetáculo de 2014” – a Copa do Mundo de Futebol? Até lá um rastro de especulação, produção de monopólios e rendas diversas, e um caminho amplo para a corrupção e desvio do dinheiro público, conforme reportagem da Revista Caros Amigos (edição n° 166/2011 – Copa e Olimpíadas - o que realmente está em jogo?). Segundo o professor Carlos Vainer, as cidades brasileiras se transformarão num grande negócio, um negócio corrupto e com o aval da presidência da república, financiamento do BNDES, e, como as informações não são transferidas para a população, também com o apoio do povo. Espaços completamente privatizados pelas grandes corporações, tendo em vista que ao redor das áreas dos jogos o consumo em geral só é permitido para os que tem contrato com a FIFA.
E o que fica depois da saída dos megaeventos, como as Copas e Olimpíadas? Ainda segunda matéria publicada na Caros Amigos: na Grécia depois da Olimpíada de 2004, o recurso destinado para construção da Vila Olímpica, com 2292 unidades, foi desperdiçado, pois o lugar hoje é deserto, não foi destinado para habitação social, entretanto é um prato cheio para especulações futuras. O mundial de futebol do ano passado na África do Sul deixou suas marcas, além do estado de exceção que vigora por exigência da FIFA nos locais dos jogos (que precisam ser ‘étnica e socialmente faxinados’), manifestações foram proibidas no mês da Copa; e trabalhadores que migraram para trabalhar nas obras centrais, hoje sofrem xenofobia.
Optamos pela educação que transcenda a auto-alienação do trabalho. Para poder ficar com a greve, a liberdade, a libertação, a revolução, o socialismo, o comunismo, e nunca abrir mão da Utopia.
*Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Professor do curso de Geografia da UNEB VI – Caetité-BA. Pesquisador do GPECT: Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as políticas de reordenamento territorial – CNPQ. Membro do Grupo Crise – UNEB Campus VI.
Caríssimo, posso reproduzir o seu texto no meu blog Esporte em Rede. Fico no aguardo.
ResponderExcluirPode reproduzir o texto em seu Blog sim.
ResponderExcluirAtt